Engenharia tecidual para próteses valvares cardíacas

Pacientes diagnosticados com comprometimento valvar severo são encaminhados para cirurgia de troca valvar, que pode ser feita por meio de cirurgia convencional ou transcateter. Existem dois tipos de próteses valvares usadas hoje em dia: a mecânica, fabricada por variadas combinações de polímeros, carbono e metal; e próteses valvares biológicas, compostas por tecido animal ou humano. As próteses valvares mecânicas foram introduzidas em 1960 e têm um tempo de durabilidade maior, porém pacientes usuários desse tipo de prótese têm de receber tratamento anticoagulante por toda a vida, em razão do risco de complicações por trombose. As próteses valvares biológicas não necessitam de tratamento anticoagulante, porém sua durabilidade é menor em razão da degeneração do colágeno e calcificação dos folhetos. Uma prótese valvar de engenharia tecidual (ET) deve ser composta por materiais biocompatíveis com o paciente, ter superfícies tromborresistentes e seu risco de infecção deve ser baixo. Esse tipo de prótese deve ter uma alta durabilidade, sem alterar a rotina do paciente, ou seja, o tratamento anticoagulante não seria necessário.

O conceito de engenharia de tecidos se baseia na criação de um órgão que mimetize o original, com a capacidade de crescer, reparar e se remodelar. Para obter uma valva cardíaca por meio de ET, é necessário estabelecer a estrutura e composição dessa mesma valva. A ET utiliza três principais componentes: células, scaffolds (arcabouços tridimensionais) e estímulos. Os scaffolds atuam como moldes para a formação tecidual e são eventualmente estimulados de forma mecânica ou química. Esses três componentes podem ser agrupados de duas maneiras na ET: in vitro ou in situ. A abordagem in vitro consiste em coletar as células do próprio paciente, semeá-las em um scaffold e promover o crescimento do tecido; esse procedimento pode ser monitorado e controlado minuciosamente. Já no procedimento in situ, o próprio corpo do paciente é utilizado para originar o crescimento tecidual. Apesar de ser considerada mais viável clinicamente, pela disponibilidade imediata de implantação, essa abordagem é considerada extremamente complexa, pois a migração e diferenciação celulares dentro do corpo são variáveis de extrema importância.

Figura 1: preparação de scaffold e técnica in vitro

O potencial da ET é grande, no entanto, existem muitas perguntas não respondidas e diversos desafios da avaliação pré-clínica de riscos permanecem como um empecilho para que o primeiro estudo em seres humanos seja justificado. Embora as valvas de ET devam ser testadas em sistemas biológicos, à medida que a pesquisa avança em direção à aplicação clínica, a estrutura atual do documento ISO-5840 (guideline para implantes cardiovasculares) foi desenvolvida apenas com próteses mecânicas e biológicas em mente. 

Figura 2: técnica in vitro e in situ

Para o desenvolvimento da ET na área de próteses valvares cardíacas, serão necessários estudos baseados em animais, com números expandidos e duração prolongada de sobrevivência.

No caso de testes pré-clínicos, será essencial que somente laboratórios com experiência relevante em cirurgia de animais de grande porte e implantação de uma ampla gama de tipos de próteses valvares cardíacas estejam envolvidos. É obrigatória a experiência em regulamentação para que, dessa maneira, todos os procedimentos e pessoal, incluindo o cirurgião, sejam variáveis de controle. Minimizando os fatores externos, pode-se focar no dispositivo experimental e nas respostas do animal como as únicas variáveis independentes.

Se bem-sucedida, uma prótese valvar cardíaca sintetizada por engenharia de tecido será dinâmica, composta por células especializadas e matriz extracelular (MEC). Isso torna possível a remodelação da estrutura em resposta a mudanças nas forças mecânicas locais e também mantém força, flexibilidade e durabilidade desde o instante de implantação, seguindo indefinidamente a partir de então.

Referências:

  1. Carvalho Alves AR. Engenharia de tecidos –válvulas cardíacas [dissertação de mestrado]. Coimbra: Faculdade de Farmácia da Universidadede Coimbra;2013.
  2. Stassen OMJA, Muylaert DEP, Bouten CVC, Hjortnaes J.Current challenges in translating tissue-engineered heart valves. Curr Treat Options Cardiovasc Med. 2017;19(9):71.
  3. Zhang BL, Bianco RW, Schoen FJ. Preclinical assessment of cardiac valve substitutes: current status and considerations for engineered tissue heart valves. Front Cardiovasc Med. 2019;6:72. doi: 10.3389/fcvm.2019.00072

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