No passado, o trabalho da mulher se restringia ao lar e à família. Os pais ensinavam a suas filhas que seu dever era se casar, ter filhos e cuidar somente de sua casa e família. Em oposição ao papel tradicional, a mulher contemporânea está inserida no mercado de trabalho, além de manter suas funções familiares e domésticas, gerando uma dupla jornada, dentro e fora de casa. Essa mudança se deve a diversos fatores, como a inserção da mulher no mercado de trabalho, as conquistas obtidas pela luta do movimento feminista e a maior participação da mulher na sociedade e na política. Apesar de suas conquistas, mulheres por todo o mundo ocupam níveis inferiores na hierarquia de status social e sofrem preconceito nas esferas econômica, política e social. Essas condições resultam em uma experiência de vida mais estressante, piores condições de moradia e, consequentemente, menores chances de saúde plena, elevando o índice de doença coronariana no gênero feminino1.
A doença coronariana se refere à enfermidade vascular que acomete as artérias coronárias, responsáveis pela perfusão sanguínea e nutrição do coração. A doença arterial coronariana se caracteriza pelo acometimento inflamatório da parede arterial, onde se depositam células gordurosas, e pela formação de trombo plaquetário. A obstrução das coronárias diminui o fluxo sanguíneo do coração, causando dor no peito (angina), falta de ar e, em casos de obstruções completas, infarto do miocárdio2. Nas últimas quatro décadas houve uma queda na mortalidade por doença coronariana, provavelmente pelos avanços farmacológicos e cirúrgicos. Porém, a doença coronariana segue sendo responsável por um terço de todas as mortes em indivíduos acima de 35 anos. Nos Estados Unidos, aproximadamente metade dos homens e um terço das mulheres de meia-idade desenvolverão algum tipo de manifestação de doença coronariana3.
Os fatores de risco para doença coronariana em ambos os sexos são: tabagismo, diabetes, estresse psicossocial, hipertensão, alta proporção cintura-quadril, baixa ingestão de frutas e vegetais e falta de exercício físico regular4. São fatores de risco específicos da mulher: o uso de anticoncepcionais e a queda de estrógeno após a menopausa. Traços de personalidade e estressores ambientais contribuem para o desenvolvimento da doença e as subsequentes morbidade e mortalidade em mulheres, como status socioeconômico, acesso a cuidados de saúde, condições de trabalho, (incluindo sua sobrecarga) e ambiente familiar estressante1,5.

Em 2005, foi publicado o The Stockholm Female Coronary Risk Study, que acompanhou um grupo de estudo composto por 292 pacientes com doença coronariana entre 30 e 65 anos e 292 controles saudáveis com a mesma idade. Os grupos foram avaliados por questionários padronizados sobre o estresse no trabalho, o estresse conjugal e sintomas depressivos em uma análise de controle de caso durante um acompanhamento de 5 anos. Foi descoberto que a dupla exposição ao estresse no trabalho e no ambiente familiar foi acompanhada por maior risco e pior prognóstico de doença arterial coronariana. Então, conclui-se que o estresse psicológico e social pode contribuir para o risco de mortalidade por doença coronariana nas mulheres. Mulheres que sofreram estresse no trabalho e estresse conjugal ao mesmo tempo apresentaram as maiores proporções entre o risco de desenvolvimento e o risco de um evento cardíaco recorrente7.

Figura 2. Sobrevida cumulativa de pacientes coronarianos com exposição ao estresse no trabalho e no casamento7.
O tratamento da doença coronariana tem diversos graus de abordagem; pode ser algo simples, como mudança de hábitos (dieta saudável, exercício físico regular, redução de estresse e cessação do vício de fumar). Pode ser feito por via medicamentosa com aspirina, betabloqueadores, bloqueadores do canal de cálcio, nitratos, estatinas, ranolazina, inibidores da enzima conversora de angiotensina e bloqueadores dos receptores da angiotensina II. Também existem os tratamentos cirúrgicos para casos mais graves: angioplastia com implantação de stent e revascularização do miocárdio. A angioplastia com implantação de stent é um procedimento percutâneo, minimamente invasivo, no qual o médico insere um cateter na artéria danificada e implanta o balão ou stent que, após ser inflado, comprime o que estava obstruindo o vaso contra as paredes das artérias, mantendo a via aberta para o fluxo sanguíneo. Na cirurgia de revascularização miocárdica, o cirurgião utiliza um enxerto, normalmente de veia safena ou da artéria torácica interna (mamária), para criar uma ponte e contornar as artérias bloqueadas por meio de anastomoses. Isso permite que o sangue flua ao redor da artéria coronária obstruída ou estreitada. Por se tratar de um procedimento cirúrgico de coração aberto, é mais frequentemente recomendada para pessoas que têm comprometimento difuso das artérias coronárias2.
Figura 3. Dissecção da artéria torácica interna durante cirurgia de revascularização do miocárdio. (Foto de: Amanda A. B. de Souza)
Figura 4. Preparo do enxerto de artéria torácica interna para anastomose. (Foto de: Amanda A. B. de Souza)
Figura 5. Processo de anastomose. (Foto de: Amanda A. B. de Souza)
Figura 6. Anastomose término-lateral do enxerto de artéria mamária interna na artéria coronária. (Foto de: Amanda A. B. de Souza )
Os resultados sugerem que as ameaças realmente graves à saúde cardiovascular das mulheres provêm de múltiplos estressores, múltiplos papéis e múltiplas influências que acometem um paciente, e não fatores isolados e de causa única. Em conclusão, ressalta-se que a dupla exposição ao estresse do casamento e ao estresse do trabalho. além da experiência associada de sintomas depressivos, são precursores de maior risco e pior prognóstico da doença arterial coronariana em mulheres7. Para uma melhora no quadro de casos de doença arterial coronariana em mulheres, é necessário que o estresse em sua vida diminua. Para isso, a igualdade de gênero deve ser respeitada, seu local de trabalho deve abolir quaisquer preconceitos contra o gênero feminino e, acima de tudo, em seu lar a mulher contemporânea deve ser respeitada e tratada com dignidade e carinho.
Referências
- Fleury J, Keller C, Murdaugh C. Social and contextual etiology of coronary heart disease in women. J Wom Health Gend Base Med. 2000;9(9):967-78.
- Mayo Clinic. Coronary artery disease. 2020. [acesso em: 2020 jun. 29]. Disponível em: https://www.mayoclinic.org/diseases-conditions/coronary-artery-disease/diagnosis-treatment/drc-20350619?p=1
- Sanchis-Gomar F, Perez-Quilis C, Leischik R, Lucia A. Epidemiology of coronary heart disease and acute coronary syndrome. Ann Transl Med. 2016;4(13):256.
- Andreotti F, Marchese N. Women and coronary disease. Heart. 2008;94(1):108-16.
- Low CA, Thurston RC, Matthews KA. Psychosocial factors in the development of heart disease in women: current research and future directions. Psychosom Med. 2010;72(9):842-54.
- Blom M, Janszky I, Balog P, Orth-Gomer K, Wamala SP. Social relations in women with coronary heart disease: the effects of work and marital stress. J Cardiovasc Risk. 2003;10(3):201-6.
- Orth-Gomér K, Leineweber C. Multiple stressors and coronary disease in women. Biol Psychol. 2005;69(1):57-66.