Em 1956, durante a Conferência de Dartmouth, um grupo de cientistas e matemáticos, liderados por John McCarthy, se reuniu em Hanover (New Hampshire, EUA) para discutir as ideias e os projetos que já estavam sendo desenvolvidos sobre as “máquinas pensantes”. Foi nessa conferência que nasceu o termo inteligência artificial (IA), com a proposta de que cada aspecto de aprendizado ou outra forma de inteligência pudesse ser descrita de forma tão precisa que uma máquina poderia ser criada para realizar essa simulação. A partir desse marco e da aprovação da IA, órgãos públicos e privados começaram a investir nessa área. Vale lembrar que estávamos durante a Guerra Fria, na qual os Estados Unidos e a União Soviética competiam ideologicamente, gerando grandes avanços tecnológicos e, consequentemente, maiores investimentos a favor da IA[1].
IA é um ramo da ciência que visa à criação de sistemas inteligentes de computação capazes de simular a capacidade humana, por meio de diferentes algoritmos e estratégias. Envolve várias competências, como seguir algoritmos, reconhecer padrões, imagens e linguagens, entender conceitos e adquirir raciocínios, o que permite à IA se autoperfeiçoar, pela integração de novas experiências[2].
Podemos considerar a IA como um conceito mais amplo, que é regido por algoritmos que vão envolver outras subáreas, como o aprendizado da máquina (machine learning ou ML) e aprendizado profundo (deep learning ou DP). Nessas subáreas, os computadores desenvolvem a capacidade de aprender ou fazer previsões de acordo com a base de dados preestabelecida, podendo ainda modificá-las à medida que se refinam[3].
Atualmente, a IA alcançou diversos espaços, inclusive na área da saúde. Com os avanços tecnológicos nas ciências médicas, novos métodos de diagnóstico ganharam destaque. O ecocardiograma, para alguns, tornará o estetoscópio obsoleto; a palpação e a percussão abdominal perderam espaço para a ultrassonografia; a ressonância magnética e a tomografia por emissão de pósitrons (PET) cada vez mais substituem os exames radiográficos. Além de todos esses novos aparatos, a IA na área médica se faz por meio da análise de grande número de dados e de algoritmos previamente definidos, que são capazes de propor soluções e diferentes diagnósticos. Existem inúmeros sistemas desenvolvidos para facilitar o diagnóstico e o tratamento de pacientes, por meio da análise de sinais, sintomas e exames realizados[2].
Fato é que a inserção da IA na medicina tem promovido uma revolução significativa no cuidado em saúde, não se limitando ao aprimoramento e à rapidez dos diagnósticos, ao auxiliar no desenvolvimento de pesquisas médicas e no apoio aos serviços clínicos, o que possibilita o surgimento de novos medicamentos e técnicas intervencionistas, potencializando e melhorando a eficácia dos processos diagnósticos e terapêuticos. A associação dos algoritmos de IA com a integração de base de dados (Big Data) fornece insights valiosos que são capazes de gerar dados estatísticos, antecipação de surtos epidemiológicos e prescrições de ações preventivas[2],[4].
A IA já está inserida e tem sido promissora em diversas especialidades médicas, inclusive na cirurgia cardiovascular. Do diagnóstico ao pós-operatório, as ferramentas da IA têm sido fundamentais para o sucesso de procedimentos e aumentado os benefícios para os pacientes submetidos a procedimentos cardíacos.
Os resultados têm sido tão positivos que há um crescimento considerável de estudos e publicações relacionando a área da cardiologia à IA.
A combinação de algoritmos e coração tem se mostrado relevante, porque a partir dos modelos matemáticos-computacionais é possível obter um alto nível de evidência pelo desempenho que há nesse sistema, aumentando a precisão médica e permitindo uma abordagem personalizada e, consequentemente, melhores resultados[5].
Na cirurgia cardiovascular, a IA pode ser fundamental em três processos – predição do risco cirúrgico, exames de imagem e realidade aumentada na sala de cirurgia.
A decisão pela cirurgia é um dos grandes desafios tanto para o cirurgião quanto para o paciente e, como auxílio, existem os escores de risco que fornecem previsões de resultados clínicos, podendo calcular risco de complicações e mortalidade. Geralmente, esses escores utilizam modelos de regressão linear – usam fatores de risco pré-selecionados pela significância clínica. Contudo, esses modelos acabam gerando vieses, uma vez que limitam a capacidade de uso de outras variáveis clínicas que também podem interferir no resultado. Assim, a IA permite a integração de outras variáveis que envolvem múltiplos fatores, tanto dos pacientes quanto da habilidade técnica do cirurgião, sendo mais precisa na avaliação dos riscos e benefícios do procedimento[6].
Além de ajudar na decisão da cirurgia, a IA tem sido fundamental na realidade aumentada nos períodos pré, intra e pós-operatório, permitindo a integração de imagens simultâneas com o procedimento cirúrgico, podendo prever fatores como fração de ejeção, probabilidade de fibrilação atrial e condições cardíacas complexas. Assim, além das imagens mais precisas no pré-operatório, como já citado (ressonância, tomografia, ecocardiografia), essa ampliação da realidade no centro cirúrgico permite o desenvolvimento e aperfeiçoamento dos procedimentos endovasculares, como o implante de válvula aórtica transcateter (TAVI) e o Mitraclip. O avanço tecnológico representado pelas cirurgias robóticas junto com a IA, certamente já representa o futuro da cirurgia cardiovascular, melhorando os desfechos cirúrgicos e a sobrevida dos pacientes[6].
Apesar do grande avanço da IA na cirurgia cardiovascular, novos métodos e estudos vêm sendo testados e aperfeiçoados, a fim de melhorar a qualidade dos cuidados cirúrgicos, capturando, organizando, processando e modelando dados, relacionados não apenas ao ato cirúrgico, mas também à organização da sala de cirurgia, aos equipamentos utilizados, à equipe de profissionais envolvida[6].
Assim, à medida que a importância da ciência de dados cresce na prática médica, se faz necessário que os profissionais da saúde compreendam e incorporem os conceitos da IA. É importante ressaltar que a IA não veio para substituir os médicos, mas auxiliar em suas condutas, possibilitando a melhora dos desfechos clínicos-cirúrgicos, pelo fornecimento de ferramentas que criem um fluxo de trabalho mais eficiente. Na medicina como um todo, mas especialmente na cirurgia cardiovascular, a IA tem gerado um impacto positivo, melhorando a qualidade de vida dos pacientes e aumentando sua sobrevida.
Coração e algoritmos certamente são uma combinação promissora.
Referências
- Instituto de Engenharia [Internet]. A história da inteligência artificial. Disponível em: https://www.institutodeengenharia.org.br/site/2018/10/29/a-historia-da-inteligencia-artificial/. Acesso em 11 dez. 2024.
- Lobo LC. Inteligência artificial e medicina. Rev Bras Educ Med. 2017;41(2):185-93. doi: 10.1590/1981-52712015v41n2esp.
- Monteiro R, Rabello GCM, Junior FVA, Jatene FB. Inteligência artificial, deep learning, machine learning, redes neurais na medicina e biomarcadores vocais: conceitos, onde estamos e para onde vamos. Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2022;32(1):11-7. doi: 10.29381/0103-8559/2022320111-7.
- Leite KRV, Pasquali MAB, Silva TASN, Rodrigues LVRV, Melo GDX, Pacheco APQDF, et al. Transformação da saúde: o impacto da Inteligência Artificial na medicina moderna. Contribuciones a las Ciencias Sociales, 2024;17(5):e6726. doi: 10.55905/revconv.17n.5-086.
- Souza Filho EM, Fernandes FA, Soares CLA, Seixas FL, Santos AASMD, Gismondi RA, et al. Inteligência artificial em cardiologia: conceitos, ferramentas e desafios – “Quem corre é o cavalo, você precisa ser o jóquei”. Arq Bras Cardiol. 2020;114(4):718-25. doi: 10.36660/abc.20180431.
- Mejia OAV, Dallan LRP. Inteligência artificial em cirurgia cardiovascular. Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2022;32(1):55-9. doi: 10.29381/0103-8559/2022320155-9.