Entenda o processo de “Peer Review” e saiba como realizar uma boa revisão científica

O processo de “peer review”, ou revisão por pares em português, é um método que permite a avaliação de manuscritos submetidos às revistas científicas por especialistas independentes. Como resultado, procura-se fornecer um feedback para os autores, sugerir melhorias e orientar os editores das revistas científicas sobre a relevância do manuscrito submetido.

De maneira geral, o processo se inicia com o recebimento de um manuscrito pelo editor-chefe da revista científica ou pelo seu assistente editorial. A primeira etapa do processo é verificar se os pré-requisitos da revista foram atendidos, como por exemplo o número de palavras, referências, figuras e tabelas. Uma vez que esses pré-requisitos foram atendidos, o editor-chefe avalia a qualidade e o interesse do manuscrito para a revista e, se concordar com sua relevância, encaminha-o ao editor associado da área. O editor associado, por sua vez, escolhe de dois a três revisores que ele considere especialistas no assunto abordado no manuscrito e os revisores têm um período específico para dar seus pareceres. Com base na opinião dos revisores, o editor associado toma sua decisão (se aceita, rejeita ou indica revisões) e submete essa decisão ao editor-chefe. Por fim, o editor-chefe decide sobre a aprovação ou não do manuscrito e informa aos autores. Se aceito, o manuscrito entra no processo de edição para publicação. Se revisões forem indicadas o manuscrito é retornado aos autores, que devem endereçar as questões levantadas pelos revisores e enviá-lo para uma nova revisão.

Conhecendo o processo de revisão científica, nos falta entender a importância em ser um (bom) revisor científico. Existem dois tipos de razões para isso, as primeiras situam-se no campo do altruísmo, as outras relacionam-se aos benefícios trazidos ao próprio revisor. Ao fazer parte do processo de revisão por pares, o revisor está ajudando não apenas os autores a melhorar seus artigos, mas também a revista científica a manter um alto nível de qualidade. Embora isso possa, à primeira vista, parecer vantagem apenas para terceiros, ao ajudar a melhorar a qualidade das publicações científicas o revisor está ajudando a toda comunidade científica, incluindo a si mesmo. Ainda assim, existem alguns outros benefícios como o fato de estar sempre informado sobre as mais recentes pesquisas realizadas na sua área e de criar vínculos com outros cientistas, sejam eles parte do corpo editorial ou os próprios autores.

Ser convidado para revisar um artigo científico reflete o seu reconhecimento como perito em alguma área do conhecimento. Entretanto, esse privilégio também é acompanhado de algumas responsabilidades. Dessa maneira, é importante saber quais são elas e como deve ser realizada uma boa revisão. Tudo começa antes mesmo da revisão em si. Alguns requerimentos mínimos devem ser preenchidos para que se possa aceitar e iniciar a revisão de um artigo. Assim, é necessário perguntar-se e responder com honestidade a três perguntas: 1) Eu tenho algum conflito de interesses ao realizar essa revisão?; 2) Eu tenho o conhecimento necessário para completar essa revisão?; e 3) Eu sou capaz de completar essa revisão no tempo atribuído pelo editor? Se a resposta para uma das duas últimas perguntas for não ou se houver conflito de interesses, o ideal é não aceitar o convite e indicar ao editor outros potenciais revisores para o manuscrito em questão.

Ocasionalmente, existem revistas científicas que aceitam revisores com conflito de interesses, entretanto, caso esses conflitos existam, devem ser comunicados ao editor.

Digamos, então, que os requerimentos mínimos foram atendidos e que o revisor está apto para iniciar seu trabalho, quais são os próximos passos? Cada revista científica pode ter uma maneira diferente de solicitar a revisão de seus manuscritos, entretanto algumas regras valem para a maioria das situações. A primeira coisa que deve ser avaliada é o abstract, nele o revisor consegue já ter uma boa ideia sobre um dos itens mais importantes a serem considerados: a originalidade do artigo. Se o artigo não for original ou versar sobre um tópico já bem conhecido e dominado pelo público, provavelmente não será do interesse da revista publicá-lo, uma vez que ele trará poucas contribuições para a comunidade científica.

Passando pelo crivo do abstract, a leitura do texto completo deve atentar para outros itens essenciais. Uma dica interessante é começar a leitura do manuscrito pelas tabelas e figuras, elas são o esqueleto do estudo e devem orientar o revisor em sua leitura. As tabelas e figuras apresentam os resultados mais relevantes do manuscrito e, se não forem consistentes ou não responderem à pergunta em questão, alertam para problemas no desenho do estudo e/ou na performance dos experimentos. Na sequência, é importante ler com criticismo os métodos utilizados pelos autores. Muitas vezes, artigos podem apresentar resultados muito interessantes e de alta relevância para a comunidade científica, mas, uma vez que os métodos não foram adequados, o valor do estudo se perde completamente. Ainda nos métodos, é importante avaliar se o estudo não apresenta vieses (como falhas de randomização, perda de seguimento, etc) que poderiam impactar nos resultados. Em seguida, é importante avaliar a análise estatística realizada pelos autores. A escolha dos testes errados pode levar a resultados significantes sem que isso seja verdade. Outro ponto de grande importância – mas pouco discutido – é a diferença entre significância estatística e relevância clínica: um resultado estatisticamente significante não necessariamente é clinicamente relevante. É necessário discernimento e conhecimento sobre o problema estudado para se dizer que diferenças, de fato, são relevantes para a prática médica. Finalmente, é importante observar se a discussão do manuscrito foi adequada, traçando um paralelo com a literatura atual, descrevendo as concordâncias e discordâncias com achados anteriores e avaliando criticamente o próprio estudo.

Outros dois itens importantes que devem ser analisados durante toda a leitura do texto são a sua organização e o domínio da língua inglesa pelos autores. Um manuscrito mal organizado e difícil de ser acompanhado não deve ser publicado, bem como um aqueles com um inglês pobre. Nesses casos, se o estudo for interessante e a análise dos demais aspectos previamente mencionados for favorável à sua publicação, deve-se orientar aos autores que solicitem o auxílio de um falante nativo da língua ou um tradutor profissional.

Finalizada a revisão do manuscrito, é hora de dar o parecer final. Na maioria das revistas científicas, existem quatro recomendações possíveis: 1) aceitar; 2) revisões menores; 3) revisões maiores; ou 4) rejeitar. A primeira opção deve ser utilizada apenas quando o manuscrito está adequado para publicação em sua forma atual. Caso pequenas mudanças sejam necessárias, recomenda-se que o manuscrito passe por revisões menores antes da publicação. Em alguns casos, entretanto, grandes mudanças são necessárias, como o acréscimo de novos dados ou a necessidade de se reescrever grandes trechos do estudo; orienta-se, então, que o manuscrito passe por revisões maiores para que, em seguida, possa ser novamente revisado e considerado para publicação. Finalmente, se o trabalho apresenta erros irreparáveis, como problemas no desenho do estudo ou metodologia, o manuscrito deve ser rejeitado. Essa última opção pode ser também o caso daqueles estudos que, embora não contenham falhas, não acrescentam novas informações à literatura já disponível.

Agora que você já entende como funciona o processo de revisão por pares, ou “peer review”, e sabe como realizar uma revisão científica adequadamente, fique atento quando for convidado para se tornar um revisor. Como já dito anteriormente, receber esse convite representa o reconhecimento de suas contribuições à área pela comunidade científica. Por isso, leve essa oportunidade a sério, você estará contribuindo para o desenvolvimento da ciência e definindo os caminhos do conhecimento.

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