Em cirurgias, especialmente na cirurgia cardíaca, cada segundo conta e mesmo o mais hábil dos cirurgiões necessita de alguns minutos para realizar certas suturas. Entretanto, uma nova tecnologia, inspirada no muco de uma espécie de lesma (Arion subfuscus), pode conter a resposta para acelerar procedimentos cirúrgicos.
O muco da lesma contém proteínas carregadas positivamente, o que inspirou os cientistas a desenvolver sua própria versão para uso médico (Fotoa: arquivo de aliança de imagem dpa/A/Alamy).
Essa lesma produz um muco defensivo forte e pegajoso e, a partir dele, pesquisadores liderados por Jianyu Li, da Universidade de Harvard, criaram um novo tipo de adesivo sintético que, como gruda em qualquer tecido biológico, pode ser usado para selar feridas.
O muco da lesma é tão eficaz porque contém proteínas carregadas positivamente, que são atraídas para o chão ou para a parede. Para criar um muco semelhante, os cientistas criaram um gel à base de água com moléculas positivamente carregadas que sobressaem da superfície, o que cria uma atração estática com células carregadas negativamente no corpo. Muitas superfícies no ambiente têm cargas negativas, em parte porque quase tudo é revestido em biofilmes bacterianos carregados negativamente.
A nova família de adesivos possui polímeros carregados positivamente dentro de materiais de gel à base de água, conhecidos como hidrogéis, que podem assumir a forma de fita (porção inferior) ou outra forma tridimensional (porção superior) (Foto: Instituto Wyss/PA).
Após a atração eletrostática inicial, as interações mais fortes assumem o controle. Estes incluem ligações covalentes que compartilham os elétrons, como aquelas entre os átomos de hidrogênio e oxigênio em uma molécula de água e “enxertos físicos” entre as cadeias de moléculas na matriz e a superfície do tecido esponjoso, como um fecho de gancho e loop químico. Essa ligação é rápida, mas não imediata, de modo que a nova cola será muito mais fácil para os médicos trabalharem do que os adesivos de tecido existentes, os quais grudam quase instantaneamente. A nova cola, por sua vez, possui esse tempo de ação mais razoável, que permite certos ajustes no local de aplicação e diminui o eterno problema das luvas coladas.
No artigo publicado na revista Science, os cientistas relatam que a nova substância consiste em duas camadas: uma superfície adesiva e uma “matriz dissipativa”, um estrato que varia em temperatura, teor de água e energia armazenada. O ingrediente principal no adesivo é a água, por isso pode ser injetado, potencialmente substituindo a cirurgia invasiva em alguns casos. A matriz é um hidrogel, uma rede elástica de cadeias de moléculas de amido composta por 90% de água.
A substância é importante porque as colas existentes funcionam mal quando usadas para cicatrização de feridas. Supercolas, apesar de produzirem ligações muito fortes, são tóxicas. Outros tipos de cola, como as compostas de nanopartículas ou de hidrogéis desenvolvidos recentemente, formam apenas ligações fracas quando usadas em superfícies úmidas e escorregadias.
Ao analisar a estrutura do slug goo (“gosma de lesma”), a equipe de Li fez um adesivo resistente que se liga firmemente mesmo em tecido coberto de sangue e é bem tolerado pelo sistema imunológico. Especialistas sugerem que o poder de ligação desse adesivo provavelmente é cerca de 10 vezes melhor do que o que está atualmente no mercado.
A equipe de Li informa que a nova cola se liga com sucesso a pele de porco, cartilagem, coração, artéria e tecido hepático. Para testar a força da substância, os pesquisadores usaram um coração de porco fresco, coberto de sangue, e colocaram um remendo em um dos ventrículos. Eles então bombearam o coração para a capacidade máxima, colocando pressão máxima sobre o adesivo, que se manteve sem dificuldade, mesmo após mais de 10 mil batimentos cardíacos.
As colas foram testadas não só em pele de porco, mas também em cartilagem, artéria, tecidos do fígado e no coração, mantendo-se firme mesmo após milhares de batimentos (Foto: Instituto Wyss/PA).
Eles também simularam feridas traumáticas em ratos e conseguiram saná-las com sucesso, mesmo sangrando, e reunir o tecido hepático ferido. O adesivo foi capaz de selar a ferida do fígado e produziu menos tecido cicatricial que o grampo cirúrgico comumente usado para fechar os vasos sanguíneos durante a cirurgia.
Os pesquisadores sugerem que o trabalho pode constituir a base para novos produtos que mudarão substancialmente as abordagens para o tratamento de feridas e reparo de tecidos. Eles acreditam que o muco pode ser transformado em uma fita pegajosa, como um esparadrapo, que pode ser cortada no tamanho desejado e aplicada a superfícies de tecido ou ainda usada como uma solução injetável para lesões mais profundas.
A cola pode assumir o formato de fita, como um esparadrapo comum, e mesmo assim aderir bem a tecidos biológicos vivos e úmidos (Foto: Instituto Wyss/PA).
“O desempenho mecânico e a compatibilidade com células e tecidos permitem que esses materiais atendam aos requisitos essenciais para os adesivos de tecido da próxima geração”, conclui Li.
Referências
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Gallegos J. Stretchy glue inspired by slugs could be the future of sutures. 27 Jul. 2017. Disponível em: https://www.washingtonpost.com/news/to-your-health/wp/2017/07/27/stretchy-glue-inspired-by-slugs-could-be-the-future-of-sutures/?utm_term=.bbdebfff8fc2
Knapton S. Slimy slug mucus inspires glue which can mend internal injuries without stitches. 27 Jul 2017. Disponível em: http://www.telegraph.co.uk/science/2017/07/27/slimy-slug-mucus-inspires-glue-can-mend-internal-injuries-without/
Li J, Celiz AD, Yang J, Yang Q, Wamala I, Whyte W, et al. Tough adhesives for diverse wet surfaces. Science. 28 Jul. 2017:378-81.
Masterson A. Slug mucus may give surgical stitches the snip. Cosmos. 28 Jul. 2017. Disponível em: https://cosmosmagazine.com/technology/slug-mucus-may-give-surgical-stitches-the-snip
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