A insuficiência valvar mitral é uma das doenças valvares adquiridas mais comuns no mundo, atingindo aproximadamente 1 a cada 10 indivíduos com idade igual ou superior a 75 anos. A valva mitral divide o átrio esquerdo (AE) do ventrículo esquerdo (VE) no coração, permitindo que o fluxo sanguíneo seja unidirecional durante as fases do ciclo cardíaco. Porém, em casos de insuficiência valvar mitral, ocorre um retorno do fluxo sanguíneo para o AE durante a fase sistólica, causando uma série de sintomas nos indivíduos acometidos.
As principais causas da doença são degeneração mixomatosa, endocardites bacterianas, insuficiência mitral isquêmica, febre reumática e miocardiopatia dilatada. Independentemente da etiologia, a insuficiência mitral é uma condição progressiva que pode levar à remodelação patológica do ventrículo esquerdo, afetando o átrio esquerdo e a circulação pulmonar, muitas vezes exacerbando os sintomas de insuficiência cardíaca congestiva e aumentando o número de óbitos e hospitalizações. Hoje, o melhor método para avaliação da gravidade, do mecanismo e das consequências para o coração é a ultrassonografia.
Como opções de tratamento, existem a terapia medicamentosa, o tratamento cirúrgico convencional, o tratamento cirúrgico minimamente invasivo e as intervenções percutâneas da válvula mitral. Em indivíduos assintomáticos, com fração de ejeção > 60 mmHg, sem episódios de fibrilação atrial (FA) e com pressão sistólica da artéria pulmonar < 50 mmHg, sem a presença de fatores de risco ou com risco cirúrgico alto, apenas o acompanhamento do paciente é recomendado. Porém, em indivíduos assintomáticos, caso haja algum dos fatores citados, o tratamento convencional cirúrgico é recomendado (1).
Em casos de indivíduos sintomáticos, os que possuírem fração de ejeção > 30% devem ser submetidos ao tratamento convencional cirúrgico (1,2). Nos pacientes frágeis, com idade avançada, com graus de regurgitação +++/IV ou ++++/IV, refratários à terapia medicamentosa e em risco proibitivo para o tratamento cirúrgico convencional, a técnica percutânea pode ser recomendada (3).
Pela técnica percutânea, um clipe desenvolvido para a válvula mitral é introduzido através da veia femoral do paciente e, após o posicionamento adequado do clipe, realiza-se a apreensão dos folhetos mitrais, criando um orifício valvar duplo durante a diástole e mantendo a proximidade dos folhetos durante a sístole, reduzindo assim o volume regurgitante. Todo o procedimento é realizado com o auxílio de um ecocardiograma transesofágico realizado pelo ecocardiografista, que deve interagir com o médico responsável pelo procedimento.
O MitraClip® foi aprovado em 2013 pelo FDA para o tratamento de insuficiência valvar mitral de causa degenerativa ou funcional em pacientes considerados de alto risco para o tratamento cirúrgico convencional. Os principais estudos clínicos randomizados utilizando o clipe (EVEREST I e II) demonstraram uma segurança do procedimento superior à do tratamento cirúrgico, com importante melhora funcional nesses pacientes, com os resultados mantidos após 4 anos de procedimento (4,5). Outro importante estudo publicado no Journal of American Cardiology demonstrou que a técnica foi eficaz em pacientes considerados frágeis, com melhora na qualidade de vida e nos sintomas de insuficiência cardíaca (3). No Brasil, os primeiros procedimentos ocorreram em 2015 e reduziram expressivamente a intensidade da regurgitação mitral (6), demonstrando o potencial dessa tecnologia para o tratamento percutâneo da insuficiência valvar mitral.
Os resultados dos estudos mencionados são importantes, pois demonstram que o MitraClip® pode ser uma opção de tratamento para esse grupo seleto de pacientes, que, por sua fragilidade, eram mantidos somente em tratamento clínico.
O vídeo a seguir apresenta uma demonstração do procedimento: