Promover a melhoria da qualidade de vida (QdV) do paciente é um dos grandes objetivos da medicina. Hoje tenta-se tratar o doente, não a doença. Com isso, o paciente tem voz ativa na elaboração do seu plano terapêutico. Entretanto, é difícil definir o que é QdV, por se tratar de um conceito extremamente subjetivo. Vários filósofos e personalidades importantes emitiram suas impressões sobre vida e qualidade de vida. Simone de Beauvoir afirmou que “viver é envelhecer, nada mais”, enquanto Voltaire declarou “Deus concedeu-nos o dom de viver; compete a nós viver bem”. Atribui-se a Thomas Jefferson a seguinte declaração: “Os momentos mais felizes da minha vida foram aqueles, poucos, que pude passar em minha casa, com a minha família”. Nota-se que o conceito de qualidade de vida varia de acordo com as experiências e expectativas de cada indivíduo.
Qualidade de vida relaciona-se, portanto, não apenas com o estado atual do paciente, mas também com suas expectativas para o futuro. O escritor Gustave Flaubert contribui ao afirmar: “Os momentos mais esplêndidos da vida não são os chamados dias de êxito, mas sim aqueles dias em que, saindo de desânimo e do desespero, sentimo-nos erguer-se dentro de nós um desafio: a vida e a promessa de futuras realizações”.
Levando esse debate em consideração, a Organização Mundial de Saúde (OMS) define qualidade de vida de um indivíduo como a percepção individual de sua posição na vida no contexto da cultura e sistemas de valores em que está inserido, bem como sua relação com objetivos, expectativas, padrões e preocupações. Ainda segundo a OMS, esse conceito é amplo e complexo, envolvendo saúde física, estado mental, crenças pessoais, relações sociais e relação com o meio ambiente.
Avaliar a QdV de um paciente é de suma importância para analisar o sucesso de um tratamento. Existem algumas escalas bem consolidadas na literatura médica, como os questionários da OMS The World Health Organization Quality of Life Assessment (WHOQOL-100), composto por cem questões e sua forma resumida, composta por apenas 26 questões, conhecido como WHOQOL-Bref. Estes são de questionários inespecíficos, que não fazem distinção da doença estudada. Na cirurgia cardiovascular existem questionários mais específicos, como o Kansas City Cardiomyopathy Questionnaire (KCCQ), que permite avaliar QdV em pacientes com insuficiência cardíaca.
Um estudo publicado recentemente no Brazilian Journal of Cardiovascular Surgery teve como objetivo a elaboração e validação interna de um questionário (Qualidade de Vida em Cirurgia Cardiovascular) adaptado para a realidade da cirurgia cardiovascular brasileira, composto por cinco questões. Bond et al. aplicaram o questionário via telefone em 445 pacientes submetidos a cirurgia cardiovascular, trinta dias após a alta hospitalar. As questões são relacionadas com a capacidade de realizar atividades de vida diária, saúde após cirurgia, capacidade física, emoções e relação com familiares.
O estudo conclui que dor torácica, dor na incisão e falta de ar comprometem a qualidade de vida e que o retorno à prática de atividade física contribui para o bem-estar. Esta etapa de validação interna evidenciou que o questionário é uma boa ferramenta para avaliar QdV no período pós-operatório de cirurgia cardiovascular.
Contribuir para o bem-estar do paciente e sua autonomia é imprescindível para a prática médica, como quando Rousseau diz que: “caminhar com bom tempo, numa terra bonita e ter por fim da caminhada um objetivo agradável: eis, de todas as maneiras de viver, aquela que mais me agrada”. A cirurgia cardiovascular cumpre um papel fundamental neste objetivo.
Leitura sugerida
Bond MMK, de Oliveira JLR, de Souza LCB, Farsky PS, Amato VL, Togna DJD, et al. Quality of life in cardiovascular surgery: elaboration and inicial internal validation of a quality of life questionnaire. Braz J Cardiovasc Surg. 2018;33(5):476-82.