Fonte: Medscape.com (EUA, 2019)
Com o atual status de pandemia declarado pela Organização Mundial da Saúde, a infecção causada pelo SARS-CoV-2 tem gerado um impacto imensurável em todos os sistemas de saúde ao redor do globo. Apesar de a maior parte das infecções evoluir sem ou com poucas manifestações clínicas relacionadas à hipóxia, cerca 15 a 20%1 dos pacientes podem evoluir com formas mais graves da doença, necessitando de terapia intensiva e suporte ventilatório em decorrência da síndrome da angústia respiratória aguda (SARA).
Fonte: WeForum.org (China, 2020)
Nos casos de hipoxemia refratária e manutenção do quadro de falência respiratória, a condução dos casos se torna ainda mais difícil, uma vez que todas as possibilidades com capacidade cientificamente comprovadas são esgotadas. Nessa perspectiva, terapias de suporte avançado com evidência ainda não completamente estabelecida na COVID-19, como técnicas de suporte cardiorrespiratório, devem ter seu risco-benefício avaliado. Assim, qual seria o papel da ECMO (extracorporeal membrane oxigenation) no manejo desses pacientes?
A ECMO é um tipo de suporte cardiopulmonar prolongado em que o sangue é drenado do seu leito nativo por meio de cânulas, num circuito impulsionado por meio de uma bomba, e devolvido à circulação após passar em um oxigenador por membrana e um trocador de calor. Pode ser instalada de duas maneiras: veno-venosa ou veno-arterial1. No contexto da insuficiência respiratória aguda de etiologia infecciosa viral, existem algumas experiências prévias à COVID-19 sobre o uso da ECMO, principalmente na pandemia da influenza A H1N1, em 2009, mas com pequeno número de casos descritos. Hoje, uma década depois, o contexto da ECMO é outro, com maior disponibilidade de centros experientes, disseminação da experiência e evidências claras que apontam seu benefício e tornam seu uso racional2.
Fig. 1. Esquema representativo do circuito da ECMO.
Embora em diversos países a ECMO seja uma realidade em grande número de centros hospitalares de excelência, incluindo países da América Latina como Chile, Colômbia e Argentina, no Brasil ainda existem grandes restrições para sua utilização, com apenas 21 centros registrados na sociedade internacional Extracorporeal Life Support Organization (ELSO) – entidade responsável pelos protocolos de utilização, registro de uso, informação e pesquisa em ECMO em nível mundial (www.elso.org) – como centros habilitados para essa terapia. Esses centros contam com pessoal treinado e capacitado para conduzir a ECMO em situações como a infecção pelo COVID-19, que evolui com insuficiência respiratória grave refratária à ventilação mecânica convencional, seguindo diretrizes internacionais e nacionais (Processo Consulta CFM n. 29/2017-Parecer CFM n. 42/2017). Contudo, o financiamento dessa terapia, em especial o valor pago pela membrana, não é coberto pelo Sistema Único de Saúde (SUS), pois, embora seja um procedimento reconhecido, esse descartável não está incluído nos valores de Órteses, Próteses e Materiais Especiais. Dessa forma, a ECMO é utilizada, neste momento, em pacientes oriundos da saúde suplementar ou pacientes do SUS com financiamento próprio da instituição onde estão internados.
Apesar de não existirem estudos clínicos randomizados no contexto da COVID-19, foram publicadas algumas recomendações da Organização Mundial da Saúde e da ELSO. A OMS3 recomendou sua utilização em pacientes com hipoxemia refratária apesar das medidas adequadas, desde que seja realizada em centros com experiência no manejo de ECMO.
Fig. 2. Recomendações da OMS em relação ao uso da ECMO na SARS-COVID-19.
A ELSO afirma que a ECMO é indicada em pacientes com alto risco de morte, principalmente pacientes com SARA que evoluem com hipoxemia severa persistente, com valor de SpO2 inferior a 80% por mais de 6 horas ou inferior a 50% por 3 horas, apesar da terapia otimizada, bem como deve ser considerada naqueles com sinais de disfunção orgânica secundária ao menor aporte de oxigênio. Além disso, a ELSO4 fez recomendações específicas sobre o uso da ECMO em pacientes com COVID-19, sendo elas:
- A ECMO deve ser considerada em pacientes infectados pela COVID-19?
- A ECMO na parada cardíaca refratária deve ser considerada em pacientes com COVID-19?
- A ECMO deve ser considerada para indicações clássicas durante a pandemia da COVID-19?
- Quais pacientes são prioritários?
- Quais pacientes devem ser excluídos?
- Qual é a definição de futilidade para retirada do suporte?
- Qual é a incidência de insuficiência cardíaca e como ela é gerenciada?
Fig. 3. Algoritmo padrão do manejo da síndrome da angústia respiratória aguda4.
Portanto, a ECMO é uma terapia de suporte avançado que pode ser utilizada em pacientes com hipoxemia refratária na SARA pelo SARS-CoV-2, desde que tenha suas indicações respeitadas. É importante destacar que o uso racional dos recursos deve ser respeitado e que a instituição da ECMO deve ser realizada apenas em centros com experiência na instalação e manejo dessa terapêutica, sendo fundamental a presença de profissionais devidamente certificados pela ELSO2.
Já existem diversos registros sobre o número de casos em ECMO, com 103 pacientes no mundo com infecção confirmada pela COVID-19 (até a data desta publicação. Para dados atualizados, acesse: elso.org) e 4 no Brasil, todos em instalação veno-venosa, com idade ao redor dos 40 anos.
Por fim, deve ser reforçado que a minoria dos pacientes será referida para essa abordagem e que os centros devem ter expertise na rotina da ECMO, não sendo recomendada sua instituição em hospitais apenas em decorrência da atual pandemia.
AGRADECIMENTOS
O autor da publicação agradece ao Dr. Luiz Caneo, Dr. Samuel Stephen e Dr. Davi Tenório, do InCor-HCFMUSP, e ao Dr. Renato Max Faria, do Hospital Universitário Onofre Lopes/UFRN, por todas as orientações durante a elaboração.
REFÊRENCIAS
- McIntosh K. Coronavirus disease 2019 (COVID-19). Disponível em: https://www.uptodate.com/contents/coronavirus-disease-2019-covid-19. Acesso em: 30 mar. 2020.
- Ramanathan K, Antognini D, Combes A, Paden M, Zakhary B, Ogino M, et al. Planning and provision of ECMO services for severe ARDS during the COVID-19 pandemic and other outbreaks of emerging infectious diseases. Lancet Respir Med. 2020. doi:10.1016/S2213-2600(20)30121-1
- World Health Organization. Clinical management of severe acute respiratory infection when COVID-19 is suspected 2020. Disponível em: https://www.who.int/publications-detail/clinical-management-of-severe-acute-respiratory-infection-when-novel-coronavirus-(ncov)-infection-is-suspected. Acesso em: 30 mar. 2020.
- Extracorporeal Life Support Organization. ECMO para pacientes com COVID-19 com insuficiência cardíaca e/ou pulmonar Disponível em: https://www.elso.org/Portals/0/Files/Guideline/ELSO_COVID-19%20Guidance%20Document.Portugeuse%20(1).pdf. Acesso em: 02 abr. 2020.
- Barros L, Rivetti L, Furlanetto B, Teixeira E, Welikow A. COVID-19: general guidelines for cardiovascular surgeons (standard guidelines- subject to change). Brazilian Journal of Cardiovascular Surgery 2020. doi:10.21470/1678-9741-1-2020-0604
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