A cirurgia cardiovascular (CCV) é um campo dinâmico e desafiador, em que a inovação e a esperança coexistem, impulsionando avanços significativos na medicina. Um dos marcos mais revolucionários na área ocorreu em 6 de maio de 1953, quando, pela primeira vez na história, uma jovem de 18 anos teve seu defeito cardíaco corrigido com a ajuda de uma máquina de circulação extracorpórea (CEC)[1]. Esta inovação possibilitou o avanço da CCV, proporcionando melhores condições operatórias e beneficiando milhares de pacientes ao longo das últimas décadas[2].
A CCV continua a evoluir, com o desenvolvimento de novas técnicas e procedimentos que buscam aprimorar os resultados clínicos e a qualidade de vida dos pacientes. Como afirmou William Osler, renomado médico canadense e um dos precursores da medicina moderna: “A ciência da medicina está em constante evolução; aquele que deixa de aprender, deixa de curar”. Assim, torna-se essencial a busca contínua por conhecimento e inovação tecnológica.
No entanto, a inovação traz consigo um dilema ético constante. Embora traga esperança para indivíduos que não têm alternativas terapêuticas eficazes, muitas vezes também traz consigo a falta de estudos robustos para respaldá-la, gerando incertezas quanto a sua eficácia e segurança na prática médica[2,3]. Nesse cenário, o cirurgião precisa individualizar seu plano terapêutico para cada paciente, sempre baseando sua decisão em princípios bioéticos fundamentais. Em primeiro lugar, deve-se preservar a autonomia do paciente, garantindo comunicação clara e transparente sobre os riscos, os benefícios e as incertezas do procedimento. O desafio está em assegurar que essa comunicação seja acessível e livre de influências externas ou expectativas irreais[4,5].
Além disso, é fundamental considerar o princípio da beneficência, ou seja, buscar o maior benefício possível para o paciente, assegurando que a inovação contribua positivamente para sua saúde, sem, no entanto, abrir mão do princípio da não maleficência, que implica evitar danos desnecessários. Mesmo diante de uma nova técnica promissora, é imprescindível minimizar os riscos e garantir que os pacientes não sejam expostos a procedimentos que possam acarretar danos significativos[5,6].
Por fim, o princípio da justiça deve ser levado em conta, assegurando que o acesso às inovações seja equitativo, sem discriminação ou favorecimento, e que todos os pacientes, independentemente de sua condição, tenham a oportunidade de se beneficiar de avanços médicos de forma justa e igualitária. Assim, a introdução de novas tecnologias deve ser cuidadosamente avaliada, equilibrando inovação, segurança e os direitos dos pacientes[5].
Nesse contexto, a incorporação de procedimentos inovadores na cirurgia cardíaca sem uma base de evidência sólida apresenta desafios éticos complexos. A segurança do paciente sempre deve ser a prioridade, equilibrando o avanço científico com uma abordagem responsável e transparente. Os cirurgiões desempenham um papel fundamental na garantia de que a inovação ocorra com integridade, respeitando princípios bioéticos e assegurando que os benefícios superem os riscos. Dessa forma, a evolução da cirurgia cardíaca pode continuar a oferecer soluções eficazes sem comprometer a segurança e o bem-estar dos pacientes. Além disso, sempre se deve priorizar a educação, o acesso à informação e tecnologia e a capacitação dos novos profissionais, com o objetivo de tornar a inovação mais homogênea no país, além de minimizar falhas inerentes à curva de aprendizagem desses novos procedimentos[3,6].
Logo, esse cenário desafiador revela a necessidade de uma evolução, na qual inovações seguras e em prol do paciente sejam incentivadas com mais veemência. Para isso, é de suma importância o investimento na educação médica em paralelo ao desenvolvimento de novas técnicas e tecnologias. Tudo isso tem o objetivo de proporcionar o melhor cuidado aos pacientes, aliando tecnologia e segurança.
Referências
- Gibbon JH. Application of a mechanical heart and lung apparatus to cardiac surgery. Minn Med. 1954;37:171-85.
- Allen MS. Innovation for life. Ann Thorac Surg. 2016;102(5):1417-25. doi: 10.1016/j.athoracsur.2016.02.114. PMID: 27772567.
- Pennington DG. The impact of new technology on cardiothoracic surgical practice. Ann Thorac Surg. 2006;81(1):10-8. doi: 10.1016/j.athoracsur.2005.11.031. PMID: 16368328.
- Dearani JA, Rosengart TK, Marshall MB, Mack MJ, Jones DR, Prager RL, Cerfolio RJ. Incorporating innovation and new technology into cardiothoracic surgery. Ann Thorac Surg. 2019;107(4):1267-74.
- Esposito M, Szocik K, Capasso E, Chisari M, Sessa F, Salerno M. Respect for bioethical principles and human rights in prisons: a systematic review on the state of the art. BMC Med Ethics. 2024;25(1):62. doi: 10.1186/s12910-024-01049-5. PMID: 38773588; PMCID: PMC11110298.
- Varkey B. Principles of clinical ethics and their application to practice. Med Princ Pract. 2021;30(1):17-28. doi: 10.1159/000509119. Epub 2020 Jun 4. PMID: 32498071; PMCID: PMC7923912.
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