Benefícios e riscos do uso da inteligência artificial e big data na cardiologia

O século XXI tem sido marcado por um avanço exponencial da tecnologia, cada vez mais integrada à rotina da sociedade, com aplicações nas áreas do comércio, da educação e da saúde. Pesquisadores da universidade de Bangladesh descrevem a realidade atual como a 4a Revolução Industrial, marcada pelo uso de inteligência artificial (IA), macrodados (big data), internet das coisas (IoT), cadeia de blocos (blockchain) e sistemas ciberfísicos (CPS).[1]

CLP: controladores lógicos programáveis; CPS: sistemas ciberfísicos; IA: inteligência artificial; IoT: internet das coisas; TI: tecnologia da informação.
Fonte: adaptado de Rashid e Kausik.[1]

Na área da saúde, muitos avanços têm sido conquistados com a integração de inteligência artificial e big data. A partir do uso dessas tecnologias, tem ganhado espaço a medicina de precisão, caracterizada por um diagnóstico assertivo e pela identificação precoce de fatores de risco, por exemplo, por meio da interpretação de exames complementares aprimorada com o uso de machine learning, além de um tratamento direcionado e seguimento personalizado, com o auxílio da telemedicina, sendo capaz de trazer impactos prognósticos ao paciente.[2,3]  Desse modo, a IA tem cada vez mais sido incluída na prática médica e ganhado relevância no meio científico, o que se reflete, por exemplo, na existência de uma seção dedicada às aplicações da IA na medicina, em uma das maiores e mais conceituadas revistas científicas do mundo, o New England Journal of Medicine.[4]

Fonte: Elaborada pelo autor com o uso da ferramenta Gemini.

A cardiologia e a cirurgia cardiovascular são áreas da medicina que têm sido influenciadas pelo avanço da IA, tecnologia cada vez mais presente nas diretrizes internacionais dessas especialidades. O guideline sobre manejo de fibrilação atrial da Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC) em parceria com a Sociedade Europeia de Cirurgia Cardiotorácica (EACTS), publicado em 2024, descreve a aplicação de modelos da IA na eletrofisiologia, como a criação de escores de risco preditores do desenvolvimento da fibrilação atrial, que atualmente estão em processo de validação para a prática clínica, a exemplo dos dispositivos vestíveis (smartwatches, sensores, entre outros), com monitoração contínua da frequência cardíaca.[5]

Ademais, o uso da IA foi destaque na diretriz da EACTS de 2024 sobre diagnóstico e tratamento de síndromes aórticas agudas e crônicas, reforçando seu uso para a criação de ferramentas de imagem para o diagnóstico não invasivo e com alto poder preditivo para ruptura de aneurisma de aorta.[6] Ainda no campo da metabologia, o estudo multicêntrico MESA (Multi-Ethnic Study of Atherosclerosis) destaca o potencial de técnicas de machine learningna estratificação de eventos cardíacos em pacientes assintomáticos, a partir da análise integrada de exames de imagem e biomarcadores, o que confirma a ampla aplicação da IA no estudo das doenças cardiovasculares.[7]

Contudo, é válido ressaltar que, além dos pontos positivos, o uso de IA e big data na medicina está associado a riscos, e um dos principais deles é a divulgação indevida de dados confidenciais dos pacientes, que compromete diretamente sua privacidade.[8] Assim, para que seja possível suplantar os riscos associados à IA e integrá-la cada vez mais à prática clínica, é necessário o desenvolvimento e seguimento rigoroso de protocolos de segurança, envolvendo a assinatura de termos de consentimento livre e esclarecido pelos participantes de estudos envolvendo IA, procedimentos de anonimização de seus dados, por exemplo, com o uso de criptografia, além de uma fiscalização contínua sobre o uso e armazenamento de dados pelas entidades responsáveis.[9]

Além disso, a transparência dos dados produzidos por IA é um critério importante, que está diretamente relacionado a sua aplicação na prática clínica. Nesse contexto, os profissionais de saúde devem ser educados continuamente para a interpretação dos resultados fornecidos para IA, a fim de evitar que possíveis vieses presentes nesses achados, ou até mesmo resultados sem o embasamento científico necessário, sejam traduzidos em práticas clínicas que podem interferir diretamente na qualidade da assistência à saúde oferecida.[10] Desse modo, com uma regulamentação adequada e educação continuada dos profissionais, além de uma relação médico-paciente pautada por uma escuta ativa e empática, a aplicação responsável de IA e big data na cardiologia tem potencial de trazer vantagens importantes para a condução clínica dos pacientes

Referências

1Rashid AB, Kausik AK. AI revolutionizing industries worldwide: A comprehensive overview of its diverse applications. Hybrid Adv. 2024;7:100277.
2He J, Baxter SL, Xu J, Xu J, Zhou X, Zhang K. The practical implementation of artificial intelligence technologies in medicine. Nat Med. 2019;25(1):30-6.
3Gruson D, Bernardini S, Dabla PK, Gouget B, Stankovic S. Collaborative AI and laboratory medicine integration in precision cardiovascular medicine. Clin Chim Acta. 2020;509:67-71.
4AI in Medicine. The New England Journal of Medicine [Internet] [citado 27 nov. 2025]. Disponível em: https://www.nejm.org/ai-in-medicine.
5Van Gelder IC, Rienstra M, Bunting KV, Casado-Arroyo R, Caso V, Crijns HJGM, et al.; ESC Scientific Document Group. 2024 ESC Guidelines for the management of atrial fibrillation developed in collaboration with the European Association for Cardio-Thoracic Surgery (EACTS). Eur Heart J. 2024;45(36):3314-414.
6Authors/Task Force Members; Czerny M, Grabenwöger M, Berger T, Aboyans V, Della Corte A, Chen EP, et al.; EACTS/STS Scientific Document Group. EACTS/STS guidelines for diagnosing and treating acute and chronic syndromes of the aortic organ. Ann Thorac Surg. 2024;118(1):5-115.
7Ambale-Venkatesh B, Yang X, Wu CO, Liu K, Hundley WG, McClelland R, et al. Cardiovascular event prediction by machine learning: the multi-ethnic study of atherosclerosis. Circ Res. 2017;121(9):1092-101.
8Neves ABA, Alencar EM, Santos IMC, Santos STF, Tourinho LOS. Uses of artificial intelligence in cardiology: a literature review. Braz J Health Rev. 2023;6(6):30053-69.
9Gruson D, Helleputte T, Rousseau P, Gruson D. Data science, artificial intelligence, and machine learning: opportunities for laboratory medicine and the value of positive regulation. Clin Biochem. 2019;69:1-7.
10Manlhiot C, van den Eynde J, Kutty S, Ross HJ. A primer on the present state and future prospects for machine learning and artificial intelligence applications in cardiology. Can J Cardiol. 2022;38(2):169-84.

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