Uma breve observação sobre liderança para o cirurgião cardiovascular

Criar ou administrar uma unidade cirúrgica, seja de assistência, pesquisa ou ensino, exige liderança, uma característica já há tempos discutida, não na comunidade médica, mas no campo dos negócios. Há quem diga que os líderes nascem como tal, há quem discorde e acredite que é possível se tornar um. Seja como for, o cirurgião cardiovascular não deve jamais subestimar o papel da liderança em sua vida profissional.

Não apenas no Brasil, mas em grande parte do mundo, a comunidade médica – muito atrás da comunidade empresarial – ainda está presa ao modelo de liderança do século passado, com “líderes” que se agem como superiores aos seus liderados, usam de autoridade e geram medo. O novo modelo de líder, aplicado e reiterado em grandes instituições estrangeiras (e algumas nacionais), é aquele que está ao lado de seus liderados, lidera pelo exemplo, inspira, motiva e desenvolve as pessoas. Tal modelo de liderança, porém, não significa que os níveis hierárquicos e o respeito aos mais experientes deve deixar de existir, já que esses preceitos são fundamentais em um ambiente onde qualquer erro pode ser fatal. Esse novo modelo também não significa que uma unidade, hospital ou Universidade sejam espaços “democráticos”, pelo contrário, é papel do líder tomar as decisões e se responsabilizar por suas consequências. O verdadeiro valor desse novo modelo de liderança é a união dos interesses do líder e de seus liderados para convergir no desenvolvimento de um objetivo maior.

Um exemplo interessante da união dos interesses dos membros de uma equipe na cirurgia cardiovascular é o conceito de ‘Heart Team’. Segundo ele, o tratamento do paciente passa por um fórum de consulta e tomada de decisão formado por uma equipe multidisciplinar que inclui cirurgiões cardiovasculares, cardiologistas intervencionistas, ecocardiografistas anestesistas e demais especialistas envolvidos no diagnóstico, tratamento e acompanhamento do paciente. A importância desse time tem sido cada vez mais reconhecida e, no momento, já é uma indicação classe 1C para pacientes com acometimento coronariano complexo, segundo a European Association for Cardio-Thoracic Surgery (EACTS), devendo ser foco de cada vez mais estudo nos próximos anos.

Assim como no ‘Heart Team’, não devemos esquecer que o objetivo final do trabalho do cirurgião cardiovascular, ou de qualquer médico, é o paciente. A liderança, portanto, deve ser exercida sempre com os olhos no paciente. Um exemplo interessante desse preceito é o do Dr. Toby Cosgrove, cirurgião cardiovascular e presidente da Cleveland Clinic. Desde que tomou a liderança da instituição, o Dr. Toby Cosgrove passou a adotar um modelo de gestão baseado em compaixão, bondade e empatia pelo paciente. Utilizando alguns preceitos mencionados anteriormente, ele passou a considerar todos os seus funcionários, independente de sua função, como “cuidadores” e trabalhou para criar um senso comum entre eles de que todo o hospital era um grande time preocupado com o bem-estar de seus pacientes. Como consequência, todos começaram a desenvolver um sentimento de responsabilidade compartilhada e a produzir muito mais do que anteriormente. Hoje, pouco mais de 10 anos depois de assumir o cargo, o Dr. Toby Cosgrove pode se gabar de ter dobrado o tamanho da instituição e de tê-la expandido internacionalmente, mantendo sempre a liderança nos rankings do país. Não à toa, ele foi convidado tanto pelo ex-presidente dos EUA, Barack Obama, quanto pelo atual presidente, Donald Trump, para ocupar um cargo de liderança em seus governos.

Naturalmente, aplicar os modelos de liderança de países em que a medicina não é socializada torna-se extremamente complicado no contexto do Sistema Único de Saúde (SUS). A falta de estímulo à produtividade e as mazelas de um sistema pouco meritocrático criam barreiras quase intransponíveis para se exercer liderança com a devida liberdade que ela exige. Para isso, o cirurgião cardiovascular brasileiro terá de fazer uso de um outro componente essencial ao bom líder: a criatividade!

REFERENCIAS

  1. Rao C et al, Leadership in cardiac surgery, Eur. J. Cardiothorac. Surg. 2011
  2. Patel VM et al, What does leadership in surgery entail?, ANZ J Surg. 2010
  3. Wijns W et al, Guidelines on myocardial revascularization. The task force on myocardial revascularization of the European Society of Cardiology (ESC) and the European Association for Cardio-Thoracic Surgery (EACTS). Eur. Heart J. 2010
  4. How A World-Class Heart Surgeon Found The One Leadership Trait Many Businesses Are Missing, Fast Company, 2014
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