Exemplo de máquina de circulação extracorpórea empregada atualmente. Disponível em: http://www.incor.usp.br/sites/bioengenharia/pt-br/cec.html [Acesso em: 08 maio 2018].
A cirurgia cardiovascular enfrentou diversos obstáculos em seu desenvolvimento, sendo notável que sua evolução se deu de forma mais tardia quando comparada a outras especialidades cirúrgicas. A dificuldade em acessar de forma segura a cavidade torácica – e, em especial, o coração – levou à evolução marcante da cirurgia cardiovascular apenas na segunda metade do século XX, tendo como um de seus fatores determinantes a circulação extracorpórea (CEC). Esta consiste em um conjunto de técnicas e equipamentos utilizados como suporte cirúrgico para garantir a circulação e oxigenação sanguíneas durante cirurgias cardiovasculares.
A primeira cirurgia com o uso de circulação extracorpórea no mundo foi realizada em 1951, quando o Dr. Clarence Dennis operou uma menina com um grande defeito interatrial, utilizando um protótipo de oxigenador. Entretanto, desde a década de 1930, o Dr. John Gibbon, com outros pesquisadores, já vinha pesquisando uma forma de manter a circulação e a oxigenação do paciente enquanto se operava o coração. Entre esses anos, diferentes formas de CEC foram desenvolvidas de forma experimental, sendo aplicadas diversas técnicas em cirurgias de cães. No início, a grande maioria falecia em decorrência de embolismo aéreo. Contudo, no final da década de 1940, a mortalidade estava estimada em torno de 10% dos cães. Simultaneamente, o Dr. W. G. Bigelow pesquisava uma técnica que se mostrou promissora na tentativa de diminuir a mortalidade em cães: a indução de hipotermia, fazendo que o consumo de oxigênio caísse significativamente.
O Dr. C. Walton Lillehei, com muito interesse em pesquisas experimentais, dedicou-se a esta área, dando ênfase à necessidade de acessar o interior do coração durante os procedimentos, para ampliar a quantidade de cardiopatias que já eram corrigidas na época. Em 1952, realizou a primeira cirurgia cardiovascular “a céu aberto”, ao clampear as cavas de uma menina de 5 anos durante 5 minutos, após indução de hipotermia. Posteriormente ao sucesso da operação, manifestou a importância de continuar aprimorando técnicas de circulação extracorpórea, a fim de aumentar o tempo disponível para o procedimento, sem comprometer a perfusão do paciente.
Em 1954, Dr. Lillehei passou a aperfeiçoar técnicas de circulação cruzada, com base em pesquisas feitas na Inglaterra. Em março daquele ano, operou um garoto de 1 ano de idade com comunicação interventricular utilizando a circulação cruzada: o pai do garoto serviria de “suporte”. Foi feita canulação para conectar a circulação venosa e arterial do pai com a da criança, passando por uma pequena máquina que ajudaria no processo, conseguindo, dessa forma, manter a oxigenação do paciente. Entre março de 1954 e fevereiro de 1955, 32 pacientes foram operados com circulação cruzada, e foram registrados 7 óbitos não relacionados com a técnica.
No mesmo ano, Dr. Lillehei, com o jovem Dr. Richard A. DeWall, passaram a aprimorar um oxigenador de bolhas para que não formasse espuma, obtendo sucesso nos experimentos com cães e, mais tarde, nas cirurgias realizadas em seres humanos. Nos dois anos seguintes, cerca de 350 pacientes foram operados. A partir de então, aboliu-se o uso da circulação cruzada, passando-se a utilizar apenas as máquinas de CEC, difundidas por todo o mundo.
Na evolução da circulação extracorpórea, diferentes técnicas foram desenvolvidas para oxigenar o sangue, como oxigenadores de tela, cilindros, disco, bolhas e membranas, visando sempre à diminuição do número de possíveis complicações, como embolismo e infecção. Muitos pesquisadores de diversos países foram responsáveis por essa evolução, que também teve participação de cirurgiões brasileiros. Atualmente, a circulação extracorpórea é empregada com segurança nas unidades de cirurgia cardíaca no Brasil.
BIBLIOGRAFIA
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