O papel da hipotermia na cirurgia cardiovascular

Na novela O Tempo Não Para, transmitida pela Rede Globo, uma família permaneceu congelada por 130 anos sem sofrer nenhum dano após o descongelamento. A ciência moderna ainda não consegue congelar e descongelar pacientes como mostra a ficção; entretanto, a hipotermia é uma técnica utilizada há muito tempo em procedimentos médicos, em especial na cirurgia cardiovascular. A primeira indução controlada de hipotermia com fins terapêuticos tem registro ainda no Antigo Egito[1]. A primeira cirurgia cardíaca a céu aberto foi realizada em 1952, pelo Dr. F. John Lewis, já empregando a redução da temperatura do paciente para 26°C[2].

Cena de novela retratando personagem congelada. Disponível em: https://rd1.com.br/equipe-de-efeitos-visuais-desenvolve-iceberg-para-o-tempo-nao-para/ [Acesso em: 14 agosto 2018].Durante a evolução da cirurgia cardiovascular e da circulação extracorpórea (CEC) no século XX, a hipotermia mostrou-se fundamental. Partiu-se do princípio de que diminuir a temperatura do paciente baixa o consumo de oxigênio, aumentando assim o período de segurança da cirurgia e da CEC[2]. Este princípio pode ser explicado pela regra de Van’t Hoff, que diz que a velocidade de uma reação química diminui duas vezes para cada redução de 10°C, diminuindo assim a taxa metabólica e o consumo de O2 pelos tecidos[1].Apesar de amplamente utilizada, atualmente discutem-se os benefícios e os riscos da hipotermia na cirurgia cardiovascular. Pode-se citar a maior proteção cerebral e do miocárdio durante procedimentos cirúrgicos longos, aumentando a tolerância desses órgãos à isquemia[3]. A baixa temperatura também afeta a resposta imunológica e inflamatória do paciente ao trauma causado pela cirurgia, diminuindo a morbidade no período pós-operatório[1]. Entretanto, a hipotermia desloca a curva de dissociação da hemoglobina para a esquerda e altera a viscosidade sanguínea, reduzindo a velocidade de circulação do sangue, o que resulta em menor oferta de oxigênio aos tecidos, dificuldade na cicatrização e coagulação e maior necessidade de transfusão sanguínea[1,4].A hipotermia, quando indicada em cirurgias cardíacas, é induzida no início da circulação extracorpórea, até a temperatura do paciente atingir 31-32°C. O reaquecimento é feito de forma gradual e tem início alguns minutos antes da liberação do clampe da aorta. A temperatura deve ser monitorada durante toda a operação. Pode ser utilizada a temperatura retal, da bexiga, do esôfago, da artéria pulmonar, entre outras[5].

Imagem de termômetro axilar. Disponível em: http://www.regentint.com/tipos-de-termometros-de-cuerpo/ [Acesso em: 14 agosto 2018].

Há necessidade de mais estudos comparando as cirurgias com hipotermia e normotermia. Antes de decidir a técnica operatória, a equipe médica deve ponderar os objetivos da hipotermia, levando em consideração seus efeitos no organismo durante o intra e o pós-operatório, visando sempre à segurança e melhor recuperação do paciente.

REFERÊNCIAS

Drapalova J, Kopecky P, Bartlova M, Lacinova Z, Novak D, Maruna P, et al. The influence of deep hypothermia on inflammatory status, tissue hypoxia and endocrine function of adipose tissue during cardiac surgery. Cryobiology. 2014;68(2):269-75.Braile DM, Godoy MF. Caminhos da cardiologia: história da cirurgia cardíaca. Arq Bras Cardiol. 1996;66(1).Fan S, Wang D, Wu C, Pan Z, Li Y, An Y, et al. Effects of 4 major brain protection strategies during aortic arch surgery: A protocol for a systematic review and network meta-analysis using Stata. Medicine (Baltimore). 2018 Jul;97(27).Kaplan M, Karaagac A, Can T, Yilmaz S, Yesilkaya MI, Olsun A, Aydogan H. Open Heart Surgery at Patient’s Own Temperature Without Active Cooling. Heart Surg Forum. 2018 Apr 18;21(3).Saad H, Aladawy M. Temperature management in cardiac surgery. Glob Cardiol Sci Pract. 2013;2013(1): 44–62.

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