Em 1773, Joseph Priestley deu o primeiro passo para a anestesia geral com a descoberta do óxido nitroso. Na época, o N2O era conhecido como ”gás hilariante”, por sua capacidade de suprimir a dor e proporcionar a sensação de um desejo incontido de rir. O gás não foi reconhecido pela medicina oficial e, portanto, a primeira intervenção cirúrgica realizada com anestesia geral ocorreu somente em 16 de outubro de 1846, durante a extirpação de um tumor no pescoço com a utilização de éter sulfúrico para anestesiar o paciente.
O éter foi logo substituído pelo clorofórmio e seu uso se generalizou na prática médica, por possibilitar uma insensibilidade dolorosa total durante o ato cirúrgico, fato até então considerado utópico entre a comunidade médica. A partir de então, diversos avanços foram alcançados com uso da anestesia, tendo hoje disponíveis uma série de agentes capazes de induzir a anestesia geral, apesar de muitos mecanismos ainda permanecerem desconhecidos, principalmente no caso dos agentes inalatórios.
Quadro do pintor Roberto Hinckley, de 1882, retratando o primeiro procedimento cirúrgico com anestesia geral pelo éter em 16 de outubro de 1846.
Os principais objetivos da indução anestésica são: hipnose, causando supressão reversível da consciência; analgesia, para diminuir as respostas autonômicas à dor; e o relaxamento muscular, para facilitar o processo de intubação e garantir a imobilidade. Diversos agentes são capazes de cumprir esses objetivos mesmo quando utilizados isoladamente, porém, são causa comum de cardiotoxicidade e, por esse motivo, a combinação com agentes intravenosos é a mais utilizada.
Por mais que hoje a anestesia geral seja um procedimento compreendido satisfatoriamente, sua execução é sempre uma tarefa desafiadora. Quando o procedimento cirúrgico envolve o coração, o desafio é ainda maior. Diversos fatores tornam a cirurgia cardiovascular um capítulo à parte do manejo anestésico dessa população de pacientes.
O estresse cirúrgico causado pela cirurgia cardiovascular vai muito além da agressão tecidual ou da resposta inflamatória do músculo cardíaco. Certas doenças que requerem o uso de circulação extracorpórea, hipotermia e parada total da atividade cardíaca exigem uma atenção redobrada e manejo anestésico diferenciado.
A circulação extracorpórea, por exemplo, é capaz de produzir uma modificação na absorção, distribuição, metabolismo e eliminação dos agentes anestésicos. Isso ocorre por dois principais fatores: hemodiluição e alteração do fluxo sanguíneo. Torna-se difícil predizer quais serão os efeitos anestésicos, pois, por um lado há uma diluição das proteínas plasmáticas que pode aumentar a fração livre dos agentes anestésicos e, por outro lado, ocorre uma diminuição de fluxo sanguíneo que pode diminuir a eliminação das drogas.
O mesmo desafio ocorre com a hipotermia causada pelo procedimento cirúrgico. Embora saibamos que o rebaixamento da temperatura é capaz de diminuir a demanda de oxigênio e proteger os órgãos vitais, ela também é capaz de gerar alterações nas funções da agregação plaquetária, podendo causar desordens orgânicas múltiplas e desfechos desfavoráveis para o paciente, principalmente se não houver manejo e retorno de forma adequada para a normotermia.
A anestesia geral é muito mais do que simplesmente aliviar a dor e deixar o paciente inconsciente. É uma especialidade que acompanha o paciente nos períodos pré, peri e pós-operatório, sendo uma atividade vital para o bom desempenho dos atos cirúrgicos, especialmente na cirurgia cardiovascular.
O BJCVS Blog parabeniza a todos os profissionais da especialidade!