Rolo de papel toma a frente na cirurgia cardíaca

Existe uma lenda urbana segundo a qual uma empresa de creme dental teve problemas com algumas caixas, que estavam sendo enviadas sem o tubo dentro. Essa empresa, então, contratou engenheiros para desenvolver um sistema com balanças ultraprecisas que, quando percebessem uma redução no peso da caixa, indicando que estava sem o tubo do creme, um braço mecânico retiraria a caixa vazia. Este sistema custou milhões de reais! Após alguns meses, a empresa não recebeu mais nenhuma reclamação de caixas vazias. Os chefes foram então verificar o bom funcionamento do complexo sistema, quando perceberam que estava tudo desligado… Questionaram o funcionário que lá estava, que respondeu: “A máquina quebrou após alguns dias de uso e, para não parar a produção, coloquei um ventilador do lado da esteira. Aí, quando uma caixa vazia passa, o vento empurra ela para fora…”. Foram milhões de reais (supostamente) gastos, para que um simples ventilador resolvesse a situação: soluções simples para problemas complexos.

Uma solução simples foi criada por Wilfried Wisser e Marie-Elisabeth Stelzmüller em Viena, na Áustria. Eles publicaram um artigo [1] descrevendo um método adaptativo, fácil e barato, mas ainda assim eficaz, de afastar os folhetos da valva mitral durante plastia mitral por excesso de tecido valvar, permitindo uma visão limpa e com ótimo acesso para o aparelho subvalvar (Figura 1).

Figura 1. Visão intraoperatória do rolo de papel. A: afastando os folhetos mitrais. B: visão direta para o aparelho subvalvar com neocordas.

Os autores utilizaram esta técnica de forma bem-sucedida em 34 pacientes submetidos à plastia mitral minimamente invasiva videoassistida por minitoracotomia. A doença de base era prolapso da valva posterior, da valva anterior, ou doença de Barlow. Foi utilizada uma simples régua de papel esterilizada, moldada como um rolinho de 1 cm de diâmetro e inserida através da valva mitral. Está aí a primeira vantagem: pode ser reduzida a pequenos tamanhos para ser inserida no tórax. Outra vantagem é que pode ser desenrolada para se acomodar confortavelmente ao tamanho do anel, sem a necessidade de realizar qualquer medida estimativa, afastando os folhetos. Além disso, o “rolo de papel” (nome dado pelos autores) permite que o cirurgião utilize ambas as pinças livremente, faça nós sem que os fios enrosquem nos folhetos ou cordoalhas quando escorregados pelo knot pusher, e seja facilmente reposicionado ou retirado sem danificar as estruturas cardíacas (Figura 2).

Figura 2. Visão intraoperatória, demonstrando a facilidade de retirada do rolo de papel.

No vídeo da técnica (clique aqui para ver o vídeo), é possível ver o fácil posicionamento, a adequação ao tamanho desejado, a boa visualização e a também fácil retirada do rolo.

Se uma máquina ultramoderna de milhões de reais foi (supostamente) trocada por um ventilador de poucas dezenas de reais e surpreendeu muita gente pela simplicidade, utilizar uma régua de papel em uma cirurgia cardíaca certamente também vai deixar muita gente boquiaberta.

Referência

1. Wisser W, Stelzmuller ME. The “paper roll”: a simple but useful tool for minimal invasive mitral valve repair surgery. Innovations (Phila). 2018;13(4):312-4.

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