No dia 12 de junho é celebrado o Dia de Conscientização da Cardiopatia Congênita no Brasil e em muitos outros países. Estima-se que uma a cada 100 crianças apresentará alguma anormalidade cardíaca congênita. Muitos avanços na medicina já proporcionam melhor qualidade de vida para esses pacientes, entretanto, apesar da prevalência significativa, ainda existem várias dificuldades que devem ser enfrentadas. No intuito de contribuir para essa conscientização, o BJCVS Blog entrevistou a Dra. Priscila Maruoka, pediatra cardiointensivista e presidente-fundadora da ONG Coração Curumim. Confira:
BJCVS BLOG: De uma maneira geral, qual é o panorama do diagnóstico e tratamento das cardiopatias congênitas no Brasil atualmente? Quais são as principais dificuldades encontradas pelas famílias desses pacientes?
Dra. Priscila Maruoka: De maneira geral, a cardiopatia congênita é subdiagnosticada e subtraída em nosso país. O déficit de tratamento é assustador, com apenas 30% dos pacientes que necessitam da cirurgia chegando ao tratamento, ficando os outros 70% sem chance de tratar. Esse déficit é desigual nas regiões brasileiras, com os extremos no Nordeste (93,5% de déficit) e no Sul (46,5%).
A maior dificuldade encontrada pelas famílias é o acesso aos centros especializados em cardiopatia congênita, quando se tem o diagnóstico. Porém, não devemos esquecer que também há dificuldade no diagnóstico da doença, visto que não são todas as regiões do Brasil que possuem um cardiologista pediátrico.
Uma vez tendo a chance de obter o diagnóstico, essa família também encontrará dificuldades em chegar a um centro de tratamento cirúrgico.
BJCVS BLOG: Qual o papel das organizações não governamentais em prol dos pacientes com cardiopatia congênita e quais conquistas já foram alcançadas? Como a Coração Curumim realiza esse trabalho?
Dra. Priscila Maruoka: As organizações não governamentais têm papel fundamental na divulgação dessas doenças, que não são raras. Um por cento de todos os bebês que nascem no Brasil terão cardiopatia congênita. Isso dá, em média, 29 mil casos por ano! Grande parte desses bebês precisará de tratamento imediato, o que tem impactos na sobrevida, além de estar em centros especializados.
A maioria da população não sabe nem da existência da cardiopatia congênita, por isso as ONGs lutam para divulgar essa doença tão impactante.
Além disso, existem inúmeras frentes que as ONGs podem colaborar para o desenvolvimento e a evolução dos pacientes que possuem cardiopatia congênita. Ajudar na oficialização do Teste do Coraçãozinho, que é um teste de triagem de doenças cardiológicas congênitas críticas, ajudando no diagnóstico precoce dos bebês, foi uma delas (a ONG Pequenos Corações esteve presente nessa formalização), auxiliando no tratamento e evolução dessas doenças.
A ONG Coração Curumim busca não só divulgar questões relativas à cardiopatia congênita, mas também acolher os pais dessas crianças, já que muitos deles desconheciam a existência dessas doenças. Apoio psicossocial é uma das fortes ações da Coração Curumim.
Alguns de nossos projetos:
1. Estadia Digna – Acolhe os pais de pacientes que vêm de outras cidades operar em Campinas, visto que os hospitais não possuem abrigo para os acompanhantes. Em vez de dormirem em cadeiras dos hospitais durante toda a internação da criança (que às vezes podem durar meses), as mães são acolhidas em uma pensão feminina, alugada pela Coração Curumim.
2. Leite Curumim – Doação de fórmulas infantis aos nossos pacientes desnutridos. Muitos deles não realizam cirurgia de imediato, pois estão aguardando o peso adequado para o procedimento. Os portadores de cardiopatia congênita descompensada que precisam realizar cirurgia têm alto gasto calórico, o que torna a alimentação usual insuficiente para o ganho de peso adequado. Precisam, portanto, de fórmulas especiais extremamente caras e que geralmente não são fornecidas pela Prefeitura. Cadastramos esses pacientes e doamos mensalmente essas fórmulas lácteas, garantindo a nutrição.
3. Doação de medicações manipuladas – Como os nossos pacientes são crianças e normalmente de baixo peso, existe a dificuldade da ingestão de comprimidos. Assim, os pediatras prescrevem medicamentos manipulados para a formulação de xaropes. Essas medicações não são doadas pela Prefeitura e na maioria das vezes sua aquisição é inviável dentro do orçamento dessas famílias. Nesses casos, pagamos a formulação dessas medicações conforme a demanda.
4. Doação de fraldas e outros suprimentos – Para ajudar a aliviar o orçamento familiar, custeamos muitos materiais necessários para o dia a dia daquela criança. A demanda é ajustada de acordo com a necessidade que chega ao nosso departamento de Assistência Social.
5. Coração de Anjos – Grupo reflexivo para pais que perderam seus filhos pela cardiopatia congênita. Projeto iniciado no mês de maio, mas que já demonstra boa repercussão, é coordenado por uma psicóloga.
6. Nutre Curumim – Projeto coordenado por uma nutricionista com experiência em pacientes cardiopatas, iniciado também no mês de maio. A cada 15 dias atende gratuitamente as crianças que selecionamos por distúrbios alimentares (obesidade ou desnutrição).
7. Projeto de Reabilitação Cardíaca (ainda em andamento) – No próximo mês daremos início a esse projeto com o nosso primeiro paciente. Visa oferecer auxílio aos pacientes que não têm acesso a profissionais da fisioterapia/esportivos para reabilitação cardíaca.
8. Carteirinha do coração – Carteirinha confeccionado pela ONG com os dados mais importantes do paciente, a fim de auxiliar nos atendimentos fora da cardiologia, principalmente nos prontos-socorros.
Todos os nossos projetos visam atender o paciente cardiopata para melhor tratamento e evolução. Entendemos que não são apenas eles que precisam de cuidados, mas também os cuidadores. Por isso fazemos questão de ajudá-los socialmente durante essa fase crítica.
BJCVS BLOG: Qual a importância de reservar uma data para conscientização sobre as cardiopatias congênitas e que tipos de ações serão realizadas neste dia 12?
Dra. Priscila Maruoka: A importância é chamar a atenção da população para essa condição, que é comum, porém pouco diagnosticada no nosso meio. Sabendo que tem tratamento, podemos mudar o futuro dessas crianças que nascem com cardiopatia congênita. Quanto mais conscientização fizermos, despertaremos mais interesse sobre o assunto e, quem sabe, obteremos mais recursos para mudarmos as estatísticas, atualmente ruins, ligadas a essa condição.
Para celebrar a data neste ano, a Associação de Apoio ao Tratamento das Crianças Cardiopatas Coração Curumim realizou uma ação em local público em Campinas durante a manhã do domingo, dia 09 de junho. O intuito foi divulgar a cardiopatia congênita e reunir os familiares nessa ação.
BJCVS BLOG: Quais são as expectativas para o futuro?
Dra. Priscila Maruoka: O cenário vem mudando positivamente em relação à assistência à cardiopatia congênita. A maior expectativa é que esse déficit no tratamento das cardiopatias congênitas melhore substancialmente, para que cada vez mais as crianças com essa condição tenham pelo menos a chance de chegar ao tratamento cirúrgico.
O diagnóstico também tem de estar mais acessível a todos no futuro, para que a evolução do paciente melhore.
A especialidade tem crescido no Brasil, então a perspectiva é que esses profissionais se espalhem pelo país, melhorando a assistência dessas crianças. Sabemos que ainda temos muito trabalho pela frente, porém estamos no caminho certo.
A atuação conjunta de cirurgiões cardiovasculares, cardiopediatras, nutricionistas, fisioterapeutas e psicólogos, dentre outros profissionais, é essencial no tratamento e acompanhamento das crianças e no auxílio a seus familiares. O papel das ONGs é louvável e merece contar com o apoio da população nessa luta.
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