Qual a melhor estratégia de revascularização na insuficiência cardíaca de causa isquêmica?

A insuficiência cardíaca (IC) é uma síndrome clínica de caráter sistêmico e multifatorial, definida pela incapacidade do coração em bombear o sangue de forma efetiva, suprindo as necessidades metabólicas do organismo. Hoje, cerca de 23 milhões de pessoas são portadoras de IC no mundo [1], sendo essa condição a principal causa de hospitalização de indivíduos com idade superior a 65 anos no Brasil [2].

As etiologias diferem de acordo com as regiões do mundo. As principais são: isquêmica, hipertensão arterial sistêmica, miocardiopatias (principalmente relacionadas a drogas quimioterápicas), doenças valvares e doença de Chagas. Mais da metade dos pacientes possui o componente isquêmico como fator causal, e a revascularização precoce é capaz de trazer benefícios na redução da mortalidade e na sobrevida desses pacientes [3,4]; agora, o dilema que enfrentamos refere-se à melhor via para a revascularização: percutânea versuscirúrgica.

Figura 1. Insuficiência cardíaca em números – American Heart Association.

A cirurgia de revascularização do miocárdio é uma das cirurgias mais realizadas e estudadas do mundo, com técnicas consolidadas e resultados que demonstram sua capacidade de diminuir a mortalidade e melhorar a sobrevida a longo prazo [5]. Por outro lado, a via percutânea também avançou nos últimos anos, sendo capaz de beneficiar esses pacientes quando bem indicada. Apesar disso, não há evidência de superioridade em pacientes com doença multiarterial e com baixa fração de ejeção, principalmente em períodos de longo prazo.

Uma recente metanálise publicada no Brazilian Journal of Cardiovascular Surgery avaliou 54.173 pacientes com IC de causa isquêmica, sendo 29.075 submetidos à revascularização de forma cirúrgica e 25.098 de forma percutânea [6]. Os resultados demonstraram menor mortalidade, menores índices de infarto do miocárdio e menor necessidade de reintervenção para nova revascularização no grupo cirúrgico quando comparado à alternativa percutânea. Além disso, o estudo demonstrou que a cirurgia não aumentou o risco de acidente vascular encefálico (AVE) quando comparada à técnica percutânea nos estudos analisados.

Figura 2. Principais resultados da metanálise[6].

Esses resultados se devem principalmente ao aprimoramento das técnicas que envolvem a revascularização do miocárdio, que hoje pode ser realizada com enxertos arteriais, de forma minimamente invasiva, sem uso de circulação extracorpórea e sem clampeamento da aorta – o que comprovadamente diminui de forma substancial as taxas de AVE nesses pacientes.

Também podemos atribuir esses resultados às técnicas de proteção miocárdica (cardioplegia), que cada vez mais conferem segurança durante o intraoperatório desses pacientes, que usualmente se apresentam com doença multiarterial e outras comorbidades como diabetes tipo II e hipertensão arterial. Por fim, o melhor manejo pré e pós-operatório permite maior sobrevida desses pacientes, principalmente com o uso de antiagregantes plaquetários e estatinas, capazes de diminuir a reatividade do endotélio e proporcionar maior sucesso na revascularização [7].

Figura 3. Cirurgia de revascularização do miocárdio.

É inegável e indiscutível que a técnica percutânea trouxe benefícios na sobrevida e redução da mortalidade de pacientes com coronariopatias. No entanto, em pacientes que apresentam sintomas de IC de causa isquêmica, a cirurgia de revascularização do miocárdio permanece como a melhor escolha.

 Referências

  1. Writing Group Members, Mozaffarian D, Benjamin EJ, Go AS, Arnett DK, Blaha MJ, et al. Heart disease and stroke statistics-2016 update: a report from the American Heart Association. Circulation. 2016;133(4):e38-360.
  2. Ayub-Ferreira SM, Souza Neto JD, Almeida DR, Biselli B, Avila MS, Colafranceschi AS, et al. Diretriz de Assistência Circulatória Mecânica da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Arq Bras Cardiol. 2016;107:1-33.

  1. Tavazzi L, Maggioni AP, Lucci D, Cacciatore G, Ansalone G, Oliva F, et al. Nationwide survey on acute heart failure in cardiology ward services in Italy. Eur Heart J. 2006;27(10):1207-15.

  1. Rossi JS, Flaherty JD, Fonarow GC, Nunez E, Gattis Stough W, Abraham WT, et al. Influence of coronary artery disease and coronary revascularization status on outcomes in patients with acute heart failure syndromes: a report from OPTIMIZE-HF (Organized Program to Initiate Lifesaving Treatment in Hospitalized Patients with Heart Failure). Eur J Heart Fail. 2008;10(12):1215-23.

  1. Rocha EAV. Fifty years of coronary artery bypass graft surgery. Braz J Cardiovasc 2017;32(4):II-III. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-76382017000400002&lng=en&nrm=iso

  1. Sá MPBO, Perazzo AM, Saragiotto FAS, Cavalcanti, LRP, Almeida Neto ACE, Campos JCS, et al. Coronary artery bypass graft surgery improves survival without increasing the risk of stroke in patients with ischemic heart failure in comparison to percutaneous coronary intervention: a meta-analysis with 54,173 patients. Braz J Cardiovasc Surg. 2019;34;396-405. doi: 10.21470/1678-9741-2019-0170.

  1. Kubrusly FB, Machado-Junior PAB. Coronary artery bypass grafting in acute ischemic heart failure: where do we stand? (and where should we go?).Braz J Cardiovasc Surg. 2018;33(5):II-III. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-76382018000500002&lng=en&nrm=iso
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