Angio-TC para detecção da doença arterial coronariana: onde estamos?

 

A angio-TC das artérias coronárias possui altas sensibilidade e especificidade para detecção de aterosclerose coronariana1. Com a evolução dos aparelhos de tomografia computadorizada e a aquisição de imagens cada vez mais potentes, o uso da angio-TC como estratégia de busca da doença arterial coronariana (DAC) em paciente com apresentação de dor torácica típica ou atípica começou a ter seu benefício investigado2.

As atuais diretrizes recomendam que a investigação da DAC seja guiada pela probabilidade pré-teste do grau de gravidade que a doença se apresenta. A European Society of Cardiology (ESC) recomenda o uso da angio-TC coronariana em pacientes com probabilidade pré-teste de DAC entre 15 e 50%, enquanto o instituto nacional de saúde britânico3 recomenda que o exame seja realizado como uma das primeiras escolhas em pacientes que se apresentem com angina e possiblidade de doença coronariana relacionada. Além disso, dados mostram que cerca de dois terços das angiocoronariografias realizadas na Europa e nos Estados Unidos não apresentam achados compatíveis com DAC, o que tem impacto direto nos gastos com saúde1.

Um dos estudos mais importantes sobre a aplicabilidade da angio-TC na detecção da aterosclerose coronariana é o SCOT-HEART (CT coronary angiography in patients with suspected angina due to coronary heart disease)4. O trabalho foi multicêntrico, randomizado, prospectivo, realizado com 4146 participantes. Cerca de metade dos pacientes possuía um diagnóstico estabelecido de DAC e 36% possuía queixas de angina decorrente de DAC.

Após seis semanas os pacientes foram reavaliados com angio-TC coronariana. Em 27% dos pacientes o diagnóstico de DAC foi reavaliado e 23% dos pacientes apresentavam angina relacionada à aterosclerose, com influência significativa nas terapias médicas a serem realizadas, mas não na gravidade dos sintomas e novas admissões por dor torácica. Além disso, o uso da angio-TC acrescentada ao eletrocardiograma (ECG) de rotina resultou em uma redução significativa do desfecho combinado de morte ou infarto não fatal. Apesar dos resultados promissores, o trabalho recebeu algumas críticas relacionadas à qualidade dos resultados publicados e à análise estatística.

Uma metanálise1 publicada no BMJ em 2019 analisou dados de 5332 pacientes, coletados de 65 estudos prospectivos relacionados à acurácia diagnóstica para DAC. Após refinamento estatístico, os autores concluíram que o uso da angio-TC teve seu melhor resultado em pacientes com probabilidade pré-teste entre 7 e 67%.

No ano passado, o estudo Syntax III REVOLUTION⁶ mostrou em seus resultados uma consonância entre a angio-TC e a angiografia coronariana em guiar a estratégia de revascularização, seja por stent ou cirúrgica.  O estudo organizou dois Heart Team, compostos por cirurgião cardiovascular, hemodinamicista e radiologista, em seis centros internacionais. Cada uma das equipes deveria basear sua estratégia de revascularização na angio-TC ou cateterismo cardíaco, com base nos critérios anatômicos do Syntax II.  Os resultados foram animadores, com as duas técnicas sendo concordantes na estratégia  em quase 93% dos diagnósticos realizados.

Nesse sentido, a angio-TC já tem seu papel estabelecido em pacientes com suspeição clínica duvidosa para a etiologia da DAC e naqueles com menor probabilidade pré-teste5. Portanto, a decisão em optar pelo exame deve ser feita de forma individualizada, sem exclusão das modalidades invasivas para investigação da doença, principalmente em países com o Brasil, em que a realização da angio-TC criteriosa em pacientes com síndrome coronariana aguda ainda é uma realidade distante.

Referências

  1. Haase R, Schlattmann P, Gueret P, Andreini D, Pontone G, Alkadhi H, et al. Diagnosis of obstructive coronary artery disease using computed tomography angiography in patients with stable chest pain depending on clinical probability and in clinically important subgroups : meta-analysis of individual patient data. BMJ. 2019;365:l1945. doi: 10.1136/bmj.l1945.
  2. Adamson PD, Newby DE. Non-invasive imaging of the coronary arteries. Eur Heart J. 2019;40(29):2444-2454. doi: 10.1093/eurheartj/ehy670.
  3. NICE Pathways. Assessing and diagnosing suspected stable angina. 2019;(October):1-14.
  4. SCOT-HEART Investigators. CT coronary angiography in patients with suspected angina due to coronary heart disease (SCOT-HEART): an open-label, parallel-group, multicentre trial. Lancet. [Online] doi: 10.1016/S0140-6736(15)60291-4.
  5. Knuuti J, Wijns W, Saraste A, Chairperson I, Capodanno D, Barbato E, et al. 2019 ESC Guidelines for the diagnosis and management of chronic coronary syndromes The Task Force for the diagnosis and management of chronic. 2019; 1-71. doi: 10.1093/eurheartj/ehz425.
  6. Cavalcante R, Onuma Y, Sotomi Y, Collet C, Thomsen B, Rogers C, et al. Non-invasive Heart Team assessment of multivessel coronary disease with coronary computed tomography angiography based on SYNTAX score II treatment recommendations: Design and rationale of the randomised SYNTAX III Revolution trial. EuroIntervention. doi:10.4244/EIJ-D-16-00612

 

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