Aneurismas e dissecções do arco aórtico: solucionando com a técnica frozen elephant trunk

            As doenças da aorta que envolvem a aorta ascendente ou o arco aórtico e que se estendem caudalmente à aorta descendente torácica ou torácica e abdominal constituem-se em desafios médicos1. Para descrever as dissecções aórticas, bem como traçar o tratamento, é necessário saber que existem duas classificações para tal: a de Stanford é a mais simplificada, ao passo que a de DeBakey é mais anatômica (Figura 1). A primeira pode ser dividida em “A”, quando a dissecção acomete a aorta ascendente, com ou sem envolvimento dos demais segmentos, e em “B”, quando apenas a porção descendente torácica está envolvida2. De maneira eventual, há casos em que a dissecção da aorta descendente torácica estende-se proximalmente – de maneira retrógrada – e também acomete o arco aórtico, mas não a aorta ascendente, bem como outras dissecções têm origem no arco aórtico e restringem-se ou se estendem distalmente – de maneira anterógrada – também sem o envolvimento da aorta ascendente, classificadas como Stanford B2.

            A classificação de DeBakey é dividida em três tipos, sendo o último subdividido. DeBakey I é utilizada quando a ruptura da túnica íntima tem origem na aorta proximal, envolvendo também os segmentos ascendente, arco e, em comprimentos variados, descendente torácico e abdominal; DeBakey II significa dissecção aórtica confinada ao segmento ascendente e DeBakey III descreve dissecções da aorta descendente torácica; quando apenas nesta, diz-se IIIa, porém, caso se estenda à aorta abdominal e às artérias ilíacas, trata-se do subtipo IIIb1. No entando, é possível haver uma extensão nos pacientes DeBakey III, evoluindo para acometimento também do arco e da aorta ascendente2.

Figura 1 – Classificações dos diferentes tipos de dissecção aórtica.
Fonte: Kouchoukos et al.2.

             Em 1983, Hans Georg Borst criou a técnica atualmente conhecida como conventional elephant trunk (cET), inicialmente para simplificar futuras intervenções na aorta descendente torácica, sendo realizada em duas cirurgias1,3. A primeira delas envolvia a ressecção do arco aórtico e o implante de tubo protético que continha uma extensão flutuante livre do arco (elephant trunk) deixada na aorta descendente proximal, enquanto a  segunda  abordava a aorta descendente torácica através de toracotomia lateral aberta ou de forma menos invasiva com liberação de stent endovascular (mais recentemente)1. As vantagens citadas para esta técnica se tornavam óbvias durante a segunda cirurgia, pela reduzida dissecção e preparação cirúrgica do segmento distal do arco aórtico, que faz sintopia com nervos, brônquios, trato gastrointestinal e estruturas linfáticas que poderiam ser lesionadas, pela abertura do aneurisma toracoabdominal de forma facilitada e com tempo de clampeamento reduzido, sem a necessidade de clampear proximalmente a artéria subclávia esquerda, reduzindo, portanto, o risco de acidente vascular encefálico e paraplegia1.

            Contudo, com o intuito de atingir o reparo desejado em apenas uma cirurgia nas doenças extensas do arco aórtico, criou-se a técnica de frozen elephant trunk (FET) em 1996, que combina a essência do cET com o tubo proximal de Dacron e, na porção distal, um stent acoplado ao tubo para a aorta descendente torácica1,4. Assim, a técnica consiste na utilização de uma prótese híbrida e desde então vem sendo utilizada no tratamento de aneurismas complexos e dissecções da aorta torácica1,4. As vantagens e desvantagens entre as técnicas são apresentadas na Tabela 1.

Tabela 1 – Vantagens e desvantagens entre as técnicas.Fonte: modificada de Di Bartolomeo et al.1.

            Ademais, existem duas próteses disponíveis no mercado europeu para o FET; uma delas é a E-vita Open Plus, produzida pela Jotec, de Hechingen, Alemanha (Figura 2) e a ThoraflexTM Hybrid, produzida pela Vascutek, de Inchinnan, Escócia (Figura 3), com diâmetros e comprimentos, respectivamente, de 20-40 mm e 130, 150 ou 160 mm para a primeira prótese e 28-40 mm e 100 ou 150 mm para a segunda1. A segunda prótese é mais avançada, uma vez que é quadrifurcada em sua porção proximal, que é tubular na E-vita, facilitando o reimplante dos vasos epiaórticos e a reperfusão mais rápida da porção caudal do corpo quando a anastomose distal é finalizada1.

Figura 2 – Ilustração dos passos do implante da prótese E-vita para FET e indicações.
Fonte: Jotec.

Figura 3 – A imagem à esquerda ilustra a prótese ThoraflexTM Hybrid Plexus, a única ramificada do mercado, e à direita, sua outra opção, a ThoraflexTM Hybrid Ante-FloTM, para anastomose dos vasos supra-aórticos “em ilha”.
Fonte: Vascutek Ltd.

            Os passos cirúrgicos principais no FET incluem: ressecção total do arco aórtico; preparação do coto aórtico distal com fechamento da luz falsa através de quatro ou cinco pontos em “U” com pledgets por dentro e feltro de Teflon por fora; progressão do sistema híbrido na aorta descendente torácica com fio-guia previamente posicionado através da artéria femoral na luz verdadeira; expansão da prótese com stent; sutura do colar vascular com a aorta; reimplante dos vasos do arco e, por fim, a realização da anastomose proximal1. As dicas fornecidas pelo departamento de cirurgia cardiovascular do Hospital S. Orsola-Malpighi de Bolonha, Itália, e que constam no artigo de revisão de Di Bartolomeo et al.1, são: procurar por rasgos de reentrada na aorta caudalmente em angiotomografias pré-operatórias; drenagem de liquor pré-operatório e manter pressão espinal abaixo de 12 mmHg (a drenagem de liquor pré-operatória é recomendação IB pelo guideline mais recente de doenças aórticas da European Society of Cardiology); visualização endoscópica interna da aorta descendente torácica antes e imediatamente após o implante da prótese em sua parte com stent; uso de ecocardiograma transesofágico para guiar o implante da prótese; reiniciar a perfusão sistêmica e o reaquecimento imediatamente após o término da anastomose distal do arco aórtico; evitar desproporção do tamanho do stent em dissecções agudas da aorta; considerar o uso de prótese ramificada quando os vasos epiaórticos forem acometidos; evitar troncos longos da prótese de stent ≥ 150 mm a fim de reduzir o risco de lesão da medula espinal e manter a pressão arterial média acima de 80 mmHg após o implante do dispositivo para melhor perfusão da medula espinal1.

                O FET é extremamente efetivo nos pacientes com aneurismas degenerativos crônicos e aneurismas pós-dissecção aórtica (Figura 4 e Vídeo 1), principalmente naqueles com aneurisma confinado ao arco e aorta descendente torácica proximal, além dos pacientes com aneurisma sacular no arco médio-distal cujo tratamento com stent é considerado tecnicamente malsucedido1. O uso de stents em dissecções aórticas crônicas, como pode ser feito no cET (via endovascular), é questionável pelo fato de não constituir reparo definitivo, sendo possível realizar reintervenção pelo fato de que a parede arterial parcialmente trombosada e fibrótica não vai permitir que a prótese com stent oblitere o falso lúmen e reentradas distais frequentemente não permitem despressurização e trombose do falso lúmen distal1. Entretanto, a principal desvantagem do FET em aneurismas degenerativos ou crônicos pós-dissecção é o risco elevado de lesão da medula espinal, possivelmente por oclusão da artéria intercostal responsável pela origem da artéria de Adamkiewicz (radicular magna) que supre a medula, no nível da expansão da prótese na porção com stent e/ou pela parada circulatória em hipotermia prolongada1,5. A incidência de lesão medular por isquemia permanente ou transitória após cET é de 0,4 a 2,8%, enquanto no FET pode ser maior que 10%1.

Figura 4 – Aneurisma degenerativo no arco aórtico antes do FET (A) e após o implante de prótese ramificada (B).
Fonte: Vascutek Ltd.

Vídeo 1 – Vídeo ilustrativo de cirurgia de FET em aneurisma degenerativo do arco aórtico.
Fonte: Vascutek Ltd.

                Apesar dos avanços nas técnicas diagnósticas e do refinamento no manejo de estratégias, a mortalidade atinge entre 17 e 26% na dissecção aórtica aguda do tipo Stanford A, que tem mortalidade de 50% nas primeiras 48 horas se não for tratada, permanecendo um grande desafio aos cirurgiões cardiovasculares; o FET é uma alternativa disponível (Figura 5A-B)1,6. Em pacientes com dissecção aórtica aguda complicada do tipo Stanford B, o FET consiste em uma opção terapêutica alternativa quando o reparo endovascular da aorta torácica (TEVAR) for contraindicado (Figura 5)1.

Figura 5 – Dissecção aórtica tipo A de Stanford (A) e após reparação com prótese ramificada de FET (B). Dissecção aórtica do tipo B de Stanford (C) e após reparação com prótese ramificada de FET (D).
Fonte: modificado de Vascutek Ltd.

                Em conclusão, torna-se clara a aplicabilidade da técnica frozen elephant trunk mesmo após a introdução do stent endovascular por Dake et al. em 1998 e na era do TEVAR, visto que a limitação para intervir no arco aórtico ocorre pela impossibilidade de implantar uma prótese endovascular que preserve os óstios dos vasos supra-aórticos (exceto por poucas abordagens experimentais)7. Já as recomendações para manejo e intervenção nos pacientes com dissecção aórtica estão no guideline de doenças aórticas da European Society of Cardiology (ESC) de 2014 e corroboram o que foi descrito (Figura 6).

Figura 6 – Recomendações para o tratamento da dissecção aórtica.
Fonte: Erbel et al.6.

Referências

  1. Di Bartolomeo R, Murana G, Di Marco L, Pantaleo A, Alfonsi J, Leone A, et al. Frozen versus conventional elephant trunk technique: application in clinical practice. Eur J Cardiothorac Surg. 2017;51(suppl 1):i20-i28.
  2. Kouchoukos NT, Blackstone EH, Hanley FL, Kirklin JK, eds. Kirklin/Barratt-Boyes cardiac surgery. 4th ed. Philadelphia: Elsevier Saunders; 2012.
  3. Haverich A. Aortic arch replacement with frozen elephant trunk—when not to use it [Internet]. Ann Cardiothorac Surg [cited 2020 May 07]. Available from: http://www.annalscts.com/article/view/2714/3576%20TY%20%20-%20JOUR.
  4. Dias RR, Duncan JA, Vianna DS, Faria LB, Fernandes F, Ramirez FJA, et al. Surgical treatment of complex aneurysms and thoracic aortic dissections with the Frozen Elephant Trunk technique. Rev Bras Cir Cardiovasc [Internet]. 2015 Apr [cited 2020 May 06];30(2):205-10. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-76382015000200011&lng=en. doi: 10.5935/1678-9741.20140119.
  5. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6620248/
  6. Erbel R, Aboyans V, Boileau C, Bossone E, Bartolomeo RD, Eggebrecht H, et al. 2014 ESC Guidelines on the diagnosis and treatment of aortic diseases: Document covering acute and chronic aortic diseases of the thoracic and abdominal aorta of the adult [Internet]. The Task Force for the Diagnosis and Treatment of Aortic Diseases of the European Society of Cardiology (ESC). Eur Heart J. 2014;35(41):2873-926 [cited 2020 May 07]. Available from: http://eurheartj.oxfordjournals.org/content/35/41/2873.full-text.pdf.
  7. Karck M, Kamiya H. Progress of the treatment for extended aortic aneurysms; Is the frozen elephant trunk technique the next standard in the treatment of complex aortic disease including the arch? Eur J Cardiothorac Surg. [Internet]. 2008 [cited 2020 May 06];33(6):1007-13. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/18406159.
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