Abordagens Cirúrgicas do Arco Aórtico

Os aneurismas de aorta são definidos como dilatações de ao menos 50% do diâmetro normal do nível anatômico correspondente que envolva todas as suas camadas ou seja, intima, média e adventícia. Segundo a classificação anatômica, a aorta divise-se em aorta torácica e abdominal separadas pelo diafragma. A parte torácica é composta raiz da aorta, aorta ascendente, arco aórtico e aorta descendente (Figura 1). 1

Figura 1: Anatomia da Aorta. Fonte: 2014 ESC Guidelines on the diagnosis and treatment of aortic diseases

Os aneurismas do arco aórtico são causados comumente por doenças degenerativas como aterosclerose; dissecções crônicas da aorta, causas genéticas como Síndrome de Marfan, doença de Ehlers-Danlos, síndrome de Loeys-Dietz, infecções e traumas. A maioria dos aneurismas é contíguo com a aorta torácica ascendente ou descendente; os aneurismas de arco isolados são menos comuns e geralmente aparecem localizados de forma sacular.1

A abordagem cirúrgica do arco aórtico, por muitos anos, esteve associada a um alto índice de mortalidade e morbidade neurológica, devido a interrupção do fluxo sanguíneo para o cérebro e outros órgãos a jusante. Novas estratégias cirúrgicas como neuroproteção, estratégias de re-implante dos vasos braquiocefálicos, novas opções para o tratamento de doença aórtica extensa e técnicas endovasculares melhoram o índice de mortalidade; entretanto o reparo cirúrgico do arco aórtico continua sendo um dos desafios mais difíceis em cirurgia cardiotorácica. 1,2,6

Os benefícios na abordagem cirúrgica extensa do arco aórtico são ressecar as rupturas primárias da camada intima além da aorta ascendente; ressecar ou excluir rupturas de reentrada na aorta distal; facilitar a re-expansão distal do lúmen verdadeiro e promover obliteração do falso lúmen.1-3

As diretrizes multidisciplinares canadenses de 2016 sobre intervenção aórtica torácica sugerem que uma técnica de arco distal estendido seja considerada para pacientes que apresentam dissecção aguda de aorta tipo A e uma das seguintes características: ruptura primária de entrada da íntima na aorta descendente; doença aneurismática significativa do arco; aneurisma da aorta torácica descendente concomitante; má perfusão distal; pacientes jovens e pacientes com doenças conhecidas do tecido conjuntivo. 2

Os reparos parciais do arco, como abordagens de aortoplastia e hemiarco, são menos complexas uma vez que não envolvem os ramos do arco aórtico. Em aneurismas saculares que envolvem menos de 50% da circunferência a técnica de aortoplastia com enxerto de remendo pode ser usada. Em disseções do tipo DeBakey tipo I e II é mais comumente utilizado a abordagem da hemiarco para substituir a curvatura do arco. A substituição total do arco é reservada para aneurismas mais extensos. 5,6

A substituição total do arco é composta pela ressecção cirúrgica do arco aórtico e a recolocação dos ramos dos vasos, sendo realizados com ou sem a inserção de uma tromba de elefante no lúmen verdadeiro distal (Figura 2).2

Figura 2: Reparo de arco total. A) a abordagem em ilha, (B) abordagem com prótese ramificada, e (C) a abordagem tradicional de tromba de elefante. Fonte: Kaiser LR, Krom IL, Spray TL

A técnica da tromba de elefante (Elephant trunk) é mais usada para aneurismas extensos envolvendo a aorta torácica inteira. O reparo ocorre em duas etapas, inicialmente é realizado o reparo da aorta proximal, neste processo uma parte da prótese da anastomose distal é deixada suspensa próximo a aorta descendente proximal, formando assim uma “tromba” que será utilizada para a reconstrução da aorta distal subsequente (figura 3). Esta técnica reduziu o risco de acidente vascular cerebral e potenciais embolizações da placa aterosclerótica.6,7

Figura 3: Substituição do arco. A) sutura de um prótese na parede da aorta. B) o prótese é retirado da aorta distal e fechamento da sutura distal. C) substituição do arco completo com elephant trunk. Fonte: Khonsari, Sintek CF

Aproximadamente uma década após a criação da abordagem da tromba de elefante, foi criada modificação denominada tromba de elefante congelada (Frozen Elephant Trunk – FET). A técnica consiste na implantação de uma endoprótese híbrida através do arco aberto. A FET pode ser utilizada em combinação com a substituição total do arco ou com a substituição do hemiarco. Na Substituição total do arco, a endoprótese é implantada através do arco aberto e os vasos são anastomosados ​​a um nova prótese de arco de Dacron. Na substituição do hemiarco, um segmento residual do arco dissecado é deixado e uma anastomose distal aberta é realizada em uma forma de ‘hemiarco’ sem religação do vaso. 3-5

Na substituição total do arco e “endoprótese quente “os vasos são anastomosados ​​mais proximalmente e uma zona de aterrissagem proximal de Dacron é criada. A implantação da endoprótese endovascular, anterógrada ou retrógrada, é realizada após a saída da circulação extracorpórea e com o uso de fluoroscopia para identificar zonas de aterrissagem.2

Figura 4: Classificação das técnicas de abordagem do arco aórtico. (A) Substituição total do arco ± tromba de elefante padrão sem stent aórtico torácico descendente. (B) Substituição total do arco e endoprótese aórtica torácica descendente com endoprótese congelada colocada sob parada circulatória. (C) Substituição de hemi-arco e endoprótese aórtica torácica descendente com a endoprótese colocada sob parada circulatória. (D) Substituição total do arco com endoprótese colocada após a saída da circulação extracorpórea e com o uso de fluoroscopia para identificar zonas de aterrissagem. Fonte: Smith HN, et al.

As técnicas citadas acima envolvem o uso de parada hipotérmica profunda e perfusão cerebral anterógrada seletiva por meio de perfusão do tronco braquiocefálico, artérias carótidas ou artéria axilar direita no intuito de manter o cérebro perfundido e reduzir as complicações cirúrgicas. A temperatura central deve ser em torno de 18ºC e a perfusão cerebral seletiva anterógrada é ajustada para manter uma pressão de perfusão de 50 a 60 mmHg. 6,7

A abordagem endovascular na substituição do arco aórtico (TEVAR) tem como objetivo excluir uma lesão aórtica por meio da implantação de uma endoprótese revestida por membrana através da lesão, a fim de impedir a progressão da doença , evitar um maior aumento e ruptura aórtica final. A tomografia com contraste é necessária para o planejamento cirúrgico, uma vez que o diâmetro (<40 mm) e o comprimento (≥20 mm) das zonas de aterrissagem proximal e distal são avaliados para avaliar a viabilidade de TEVAR juntamente com a avaliação do comprimento da lesão e sua relação com os ramos laterais. 1,2

Em situações que envolvem ramos laterais aórticos importantes (por exemplo, artéria subclávia esquerda), a TEVAR é frequentemente precedido por uma revascularização cirúrgica limitada desses ramos (a abordagem “híbrida”). A TEVAR é realizada por avanço retrógrado transarterial de um grande dispositivo de distribuição carregando a endoprótese autoexpansível colapsada.  As taxas de paraparesia / paraplegia (por oclusão da artéria radicular magna ou de Adamkiewicz) e AVC variam entre 0,8-1,9% e 2,1-3,5%, respectivamente, e parecem mais baixas do que para a cirurgia aberta. 1-4

O seguimento com tomografia após uma intervenção endovascular é recomendado após 1 mês, 6 meses, 12 meses e, depois, anualmente. Se os pacientes mostrarem uma evolução estável sem evidência de vazamento interno por mais de 24 meses, o acompanhamento de imagem pode ser realizado a cada 2 anos, mas o acompanhamento clínico segue anualmente. Após a abordagem cirúrgica da aorta, o exame de imagem deve se concentrar nas complicações relacionadas à cirurgia (por exemplo, aneurisma de sutura), mas também deve avaliar a progressão da doença em partes remotas da aorta. 2,3

Pacientes com dissecção aguda de aorta tipo A e má perfusão de órgãos recebem uma recomendação classe IIa para uma abordagem híbrida (aorta ascendente e / ou substituição de arco associada a qualquer procedimento percutâneo de artéria aórtica ou ramo). 2,3

Na revisão sistemática e meta-análise de Smith et al, foram analisados 38 estudos com o total de 2140 pacientes sobre as diferentes abordagens do arco aórtico. Foi encontrado que a substituição total do arco não necessita de experiência com a tecnologia endovascular e usa técnicas cirúrgicas padrão. Com o uso de uma tromba de elefante é formado uma zona de aterrissagem para terapia endovascular futura, se necessário. Em contrapartida, esta técnica não aborda complicações da aorta descendente e não exclui ruptura primária da intima.2

A técnica de arco total e tromba de elefante com stent congelado (Frozen Elephant Trunk – FET) está associada a um maior tempo de parada circulatória e a prótese é implantado sem a visualização das zonas de aterrissagem. A técnica de hemi-arco e tromba de elefante com stent congelado evita a complexidade de religar os vasos do arco, o que pode tem um benefício em uma cirurgia de emergência. No entanto, ele deixa um segmento de arco dissecado residual sendo uma zona de aterrissagem menos estável para a endoprótese. 2

A substituição total do arco e a ‘ endoprótese quente ‘ permite a visualização com fluoroscopia e a implantação precisa da endoprótese. Ele permite que o cirurgião execute procedimentos endovasculares auxiliares conforme necessário para tratar a má perfusão e lacerações residuais no início do curso clínico. 2

 

Referências:

  1. AUTHORS/TASK FORCE MEMBERS, et al. 2014 ESC Guidelines on the diagnosis and treatment of aortic diseases: document covering acute and chronic aortic diseases of the thoracic and abdominal aorta of the adult The Task Force for the Diagnosis and Treatment of Aortic Diseases of the European Society of Cardiology (ESC). European heart journal, 2014, 35.41: 2873-2926.
  2. Smith HN, et al. Classification and outcomes of extended arch repair for acute Type A aortic dissection: a systematic review and meta-analysis. Interactive cardiovascular and thoracic surgery, 2017, 24.3: 450-459.
  3. Yoshitake A, et al. Comparison of aortic arch repair using the endovascular technique, total arch replacement and staged surgery. European Journal of Cardio-Thoracic Surgery, 2017, 51.6: 1142-1148.
  4. Buffolo E; Fonseca JHAP. Evolução no tratamento dos aneurismas da aorta torácica.  Soc. Cardiol. Estado de Säo Paulo, 2018.
  5. Zhu C, et al. A New Aortic Arch Inclusion Technique with Frozen Elephant Trunk for Aortic Arch Aneurysm Treatment. International Heart Journal, 2020, 61.6: 1229-1235.
  6. Kaiser LR, Krom IL, Spray TL. Mastery of Cardiothoracic Surgery 3 ed. Lippincott Williams & Wilkins Philadelphia 2014
  7. Khonsari, Sintek CF. Cardiac Surgery. Safeguards and Pitfalls in Operative Technique 4 ed. Lippincott Williams & Wilkins.Philadelphia 2007.
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