Há exatos 80 anos, em 1944, no Hospital Johns Hopkins, houve uma revolução no tratamento das cardiopatias congênitas. Pela primeira vez, foi realizada a conexão terminolateral entre as artérias subclávia esquerda e pulmonar direita. Inicialmente denominada Blalock-Taussig, a técnica tinha o objetivo de permitir maior oxigenação sanguínea, levando aos alvéolos pulmonares uma certa quantidade do sangue que seria distribuído pelo corpo através da subclávia esquerda1.
A partir desse desenvolvimento técnico, o procedimento cirúrgico em questão proporcionou cuidados paliativos a crianças com cardiopatias congênitas que apresentavam um risco elevado de correção anatômica ou funcional definitiva, especialmente aquelas com hipofluxo pulmonar. Essa intervenção não só melhorou os parâmetros clínicos desses indivíduos, mas também serviu como uma ponte para que os pacientes atingissem condições mais favoráveis para se submeterem a cirurgias corretivas, por exemplo, após um desenvolvimento pôndero-estatural adequado1.
A denominação Blalock-Taussig (BT) foi dada em homenagem a dois profissionais envolvidos na idealização e na realização bem-sucedida do procedimento em 1944: o cirurgião Alfred Blalock e a cardiologista pediátrica Helen Taussig. Porém, excluía Vivien Thomas, um importante colaborador no desenvolvimento da “cirurgia do bebê azul”. Com isso, posteriormente alguns autores passaram a adotar a denominação Blalock-Thomas-Taussig, em reconhecimento ao papel fundamental do técnico de laboratório e assistente negro de Blalock no desenvolvimento do procedimento no que tange ao embasamento científico e sua vertente técnico-cirúrgica1,2.
À medida que o tempo passou, a cirurgia foi modificada, passando a se chamar cirurgia de Blalock-Taussig modificada (mBTT). Nessa modalidade técnica, a integridade da artéria subclávia pôde ser preservada com uma menor área de dissecção e uso de uma prótese de politetrafluoretileno (PTFE) utilizada para a comunicação da artéria subclávia com a artéria pulmonar. Logo, o shunt mBTT oferece diversas vantagens em relação à proposta original, pois, ao utilizar um enxerto de PTFE de interposição, o procedimento de remoção foi aprimorado para ser mais simples. Além disso, é mantido o fluxo sanguíneo para o membro superior do mesmo lado. A regulação do fluxo no shunt passou a ser feita com maior precisão, ajustando-se o diâmetro e o comprimento do enxerto, além de escolher o local mais adequado para a anastomose3.
Diante disso, o procedimento de remoção simplificado é uma abordagem que visa tornar a cirurgia mais eficiente e menos invasiva. Isso não apenas reduz o tempo de operação, mas também pode diminuir o tempo de recuperação do paciente. A preservação do fluxo sanguíneo para o membro superior ipsilateral garante que o tecido continue recebendo oxigênio e nutrientes adequados, o que é vital para a cicatrização e a função do membro. Além disso, a capacidade de regular o fluxo do shunt com precisão é um avanço significativo. Ajustar o diâmetro e o comprimento do enxerto permite que os cirurgiões adaptem a solução às necessidades de cada paciente, melhorando a eficácia do tratamento. A escolha do local para a anastomose também é fundamental, pois um posicionamento adequado pode otimizar o fluxo sanguíneo e minimizar complicações3.
Entretanto, ainda existem riscos que estão relacionados à hemodinâmica do shunt, como o potencial de estenose ou mesmo trombose do shunt, perfusão coronariana prejudicada e distorção das artérias pulmonares, assim como o crescimento desproporcional das artérias pulmonares. Ademais, a mortalidade dos indivíduos sofre um aumento de acordo com o maior número de procedimentos invasivos aos quais são submetidos4.
Apesar da redução da utilização da cirurgia de Blalock-Thomas-Taussig com sua finalidade inicial, esse procedimento ainda é responsável por salvar milhares de crianças cardiopatas e se configura como uma ponte para cirurgias subsequentes e uma possibilidade viável de transitar da infância em direção às outras etapas de suas vidas, como a adolescência, a vida adulta e até mesmo a senilidade, o que outrora não era possível2.
Portanto, a história que Blalock, Thomas e Taussig escreveram ficará marcada para sempre na cirurgia cardíaca pediátrica, tendo sido fundamental para o avanço dos cuidados nas cardiopatias congênitas, o que gerou um legado inestimável para a medicina e para a humanidade.
Referências
1 Cooley DA. The first Blalock–Taussig shunt. J Thorac Cardiovasc Surg. 2010;140(4):750-1.
2Alahmadi MH, Bishop MA. Modified Blalock-Taussig-Thomas shunt [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2023 [citado 23 nov. 2024]. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK597363/.
3Maluf MA, Andrade JCS, Carvalho A, Catani R, Vega H, Andrade JL, et al. Operação de Blalock-Taussig modificada para o tratamento paliativo de cardiopatias congênitas com hipofluxo pulmonar. Braz J Cardiovasc Surg. 1995;10(3):126-32.
4Dorobantu D, Pandey R, Sharabiani MT, Mahani AS, Angelini GD, Martin RP, Stoica SC. Indications and results of systemic to pulmonary shunts: results from a national database. Eur J Cardiothorac Surg. 2016;49(6):1553-63.
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