O artigo de revisão “The Left Atrial Appendage Revised”1, publicado no Brazilian Journal of Cardiovascular Surgery (BJCVS) em 2017, aborda os aspectos anatômicos e farmacológicos da oclusão do apêndice atrial esquerdo (AAE) à luz do conhecimento científico da época. Apesar de tecnicamente fácil e adotada por todas as diretrizes para prevenção de acidente vascular encefálico (AVE) em pacientes com fibrilação atrial (FA), os autores apontam a ausência de ensaios clínicos randomizados comprovando os benefícios do procedimento. Contudo, desde a sua publicação, novos estudos adicionaram ao corpo de evidências sobre o tema.
Nesta publicação apresentaremos porque a oclusão do AAE pode ser uma alternativa vantajosa em pacientes com FA submetidos a cirurgias cardiovasculares, e discutiremos os principais resultados do ensaio clínico recém publicado “Left Atrial Appendage Occlusion Study (LAAOS III)”2.
Fibrilação atrial e eventos cerebrovasculares
A FA é uma arritmia cardíaca caracterizada por atividade elétrica caótica, a qual resulta em contrações desordenadas das câmaras atriais. Nesse cenário, o AAE tem papel fundamental no risco tromboembólico, visto que há uma predileção para formação de trombos nesta estrutura (80-90% dos trombos são formados no AAE)3,4 (Figura 1).
Diante do reconhecimento do risco de AVE nesse grupo de pacientes, ferramentas para estratificação do risco tromboembólico em pacientes com FA foram criadas, destacando-se os escores CHADS26 e CHA2-DS2-VASc7.
O primeiro engloba cinco fatores de risco independentes para AVE representados por cada letra (C – congestive heart failure; H – hypertension > 140/90 mmHg; A – age ≥ 75; D – diabetes mellitus; S – stroke or transient ischaemic attack). Para cada fator de risco é atribuída uma pontuação, com maiores pontuações para história prévia de AVE ou ataque isquêmico transitório (AIT) (Quadro 1). Escore 0 indica baixo risco; escore 1, risco intermediário ou moderado e; escore ≥ 2; alto risco. O escore CHA2-DS2-VASc consiste em uma versão estendida desenvolvida pela European Society of Cardiology (EuroHeart), que adicionou os seguintes fatores de risco conhecidos para AVE: impacto do sexo feminino, doença vascular documentada e o risco incremental por década de idade a partir de 65 anos. São atribuídos 2 pontos para história prévia de AVE/AIT/embolia sistêmica e idade ≥ 75 anos, e 1 ponto para outros fatores de risco (Quadro 1). Ensaios clínicos demonstram que a terapia com anticoagulantes orais reduz do risco de eventos cerebrovasculares em pacientes com FA não valvar de alto risco, portanto, os escores CHADS2e CHA2-DS2-VASc devem orientar quais pacientes devem ser medicados.
Papel da oclusão do AAE
Como mencionado, a prevenção de AVE em pacientes com FA se dá por meio da terapia com anticoagulantes orais. Contudo, a terapia medicamentosa apresenta desvantagens como a não adesão, descontinuação da medicação, e controle inadequado da Razão Normalizada Internacional (RNI), e por isso, a abordagem cirúrgica do AAE tem sido avaliada como uma estratégia alternativa2.
Os primeiros procedimentos consistiam na ligadura cirúrgica ou excisão do AAE durante cirurgias valvares. Após o desenvolvimento do procedimento Cox-Maze, o interesse pela exclusão cirúrgica do AAE aumentou, e o procedimento passou a ser realizado por meio da exclusão do AAE com suturas na superfície epicárdica ou endocárdica, excisão do AAE com a colocação de grampos ou excisão e sutura3 (Figura 2). Entretanto, a discussão sobre a segurança e eficácia da oclusão do AAE ainda apresentava controvérsias, de forma que o procedimento apresenta indicação IIb segundo as diretrizes mais recentes (2019) da American Heart Association (AHA).
LAAOS III
O ensaio clínico LAAOS III2 foi desenvolvido em 105 centros em 27 países, e publicado no The New England Journal of Medicine (NEJM) e apresentado no The American College of Cardiology’s (ACC) 70th Annual Scientific Session & Expo. O estudo representa um marco no preenchimento das lacunas a respeito da adoção da oclusão do AAE para prevenir AVE em pacientes com FA por meio de uma metodologia robusta.
O estudo randomizou 4.770 pacientes para serem submetidos à oclusão ou não do AAE durante cirurgia cardíaca realizada sob circulação extracorpórea por outra indicação. Os pacientes apresentavam FA ou flutter e pelo menos 2 pontos segundo o escore CHA2-DS2-VASc, e ambos os grupos permaneceram com a terapia anticoagulante. Ao todo, 2.379 pacientes foram submetidos à oclusão cirúrgica do AAE e 2.391 pacientes não receberam a oclusão cirúrgica do AAE. Os desfechos primários foram AVE isquêmico ou tromboembolismo sistêmico em 3.8 anos (4.8% versus 7.0%, p = 0.001, em pacientes com oclusão e sem oclusão, respectivamente); em < 30 dias (2.2% versus 2.7%, p = não significante) e; em > 30 dias (2.7% versus 4.6%, p = 0.001). Quanto aos desfechos secundários, o AVE isquêmico foi observado em 4.6% versus 6.9% (p < 0.05), e a reoperação por sangramento em 48 horas, em 4.0% versus 4.0%, em pacientes com oclusão e sem oclusão, respectivamente. Satisfatoriamente, o estudo não mostrou um aumento de eventos adversos relacionados à manipulação atrial, como sangramento pós operatório e insuficiência cardíaca causada pela menor depuração renal de água e sal após oclusão do AAE (fonte de peptídeo natriurético atrial)2.
O LAAOS III trouxe como mensagem-chave que a oclusão do AAE em pacientes com FA e risco elevado para AVE apresenta importantes benefícios, sem a adição de eventos adversos importantes, mostrando um benefício aditivo da intervenção cirúrgica em pacientes com FA em uso de terapia anticoagulante.
O impacto deste estudo nas novas diretrizes de prevenção de AVE ainda será estimado, contudo impactos na rotina diária da prática médica de cirurgiões cardiovasculares e cardiologistas já passam a ser percebidos.
Referências
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