O tratamento cirúrgico das cardiopatias congênitas é uma área extremamente importante e desafiadora da cirurgia cardiovascular. Estima-se que 1 a cada 100 nascidos vivos apresentem uma cardiopatia. Em muitos casos, o tratamento é dividido em etapas, visando a menos complicações e a um melhor resultado. Um exemplo é a correção das cardiopatias cianogênicas e com ventrículo único funcional, como a síndrome de hipoplasia do coração esquerdo (SHCE), em que há atresia das valvas aórtica e mitral[1].
A programação cirúrgica é dividida em três momentos. Inicialmente, durante os primeiros dias de vida, é realizada a operação de Norwood, que consiste na anastomose do tronco da artéria pulmonar à aorta. Em seguida, entre 2 e 10 meses de idade, é realizado o desvio da veia cava superior (VCS) para a artéria pulmonar, conhecido como a operação de Glenn bidirecional. Por fim, realiza-se a cirurgia de Fontan, entre 18 e 24 meses, na qual ocorre o desvio do fluxo da veia cava inferior para o pulmão[1].
A operação de Glenn bidirecional tem como objetivo aumentar a oxigenação sanguínea, reduzindo a sobrecarga de volume do ventrículo direito e aumentando o fluxo coronariano, decorrente da redução da pressão arterial diastólica[1], para que posteriormente seja feita a operação de Fontan. As principais complicações envolvidas na cirurgia são infecção de sítio cirúrgico, quilotórax, hematoma mediastinal, acidente vascular encefálico, entre outros[1,3,4].
A operação é tradicionalmente realizada via esternotomia ampla. Após abertura do pericárdio, realizam-se dissecção e canulação da veia cava superior e da aorta, ligadura da veia ázigos e resfriamento do paciente. Tem início então a circulação extracorpórea (CEC). O enxerto de politetrafluoroetileno expandido (PTFE) é então posicionado e suturado entre a artéria subclávia direita e a artéria pulmonar. É realizada a sutura e secção da VCS e anastomose terminolateral com a artéria pulmonar direita. Em alguns centros podem ser observadas variações à técnica, com acesso via hemiesternotomia em L, pinçamento da aorta, clampeamento intermitente da VCS ou mesmo sem CEC[1,3].
A cirurgia de Glenn bidirecional teve origem em trabalhos experimentais realizados em animais e hoje é realizada em todo o mundo de forma paliativa, para possibilitar a correção cirúrgica definitiva em um terceiro tempo. O diagnóstico precoce das cardiopatias congênitas é de suma importância para o melhor prognóstico do paciente, assim como ter rápido acesso a um serviço especializado com cardiopediatras e cirurgiões cardiovasculares[5].
O BJCVS Blog agradece ao residente de cirurgia cardiovascular Mansuor Chaer Alameddin pela elaboração do desenho que ilustrou o procedimento descrito no post.
Referências
- Fonseca L, Silva JP, Franchi SM, Castro RM, Comparato DO, Baumgratz JF. Operação de Glenn bidirecional no tratamento estagiado da síndrome de hipoplasia do coração esquerdo: resultados imediatos e tardios. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2005;20(1):1-7.
- Glenn WWL. Circulatory bypass of the right side of the heart — shunt between superior vena cava and distal right pulmonary artery —Report of clinical application. N Engl J Med. 1958;259:117-120.
- Talwar S, Kumar MV, Nehra A, Malhotra Kapoor P, Makhija N, Sreenivas V, et al. Bidirectional Glenn on cardiopulmonary bypass: A comparison of three techniques. J Card Surg. 2017;1-7.
- Alghamdi AA. Bidirectional Glenn with additional pulmonary blood flow: Systematic review and evidence-based recommendations. J Card Surg. 2015;30:724-730.
- Chaccur P, Dinkauyzen JJ, Neto CA, Arnoni AS, Silva MVD, Bosísio IJ, et al. Operação de Glenn bidirecional. Rev Bras Cir Cardiovasc. 1992;7(3):194-200.