Aneurisma da aorta ascendente com insuficiência aórtica: substituir ou preservar a valva?

      É estabelecido na literatura que os pacientes com aneurisma da aorta ascendente de diâmetro ≥ 5,5 cm devem ser operados1. Da mesma forma, a cirurgia também é indicada se o crescimento for de 0,5 cm em um semestre ou de 1,0 cm em um ano2. Por outro lado, se o paciente for portador da síndrome de Marfan, possuir valva aórtica bicúspide ou síndromes de aneurisma aórtico torácico familiar, o tratamento cirúrgico é levado em consideração a partir dos 5 cm de diâmetro, pelo alto risco de ruptura1. Nos pacientes com síndrome de Loeys-Dietz, a cirurgia é recomendada quando o diâmetro da raiz aórtica for de 4,2 cm no ecocardiograma transesofágico ou de 4,4 cm na tomografia computadorizada ou ressonância magnética e nos pacientes com síndrome de Turner, se diâmetro ≥ 3,5 cm do segmento ascendente da aorta1. Vale ressaltar que o diâmetro normal (estatisticamente mais comum) da aorta ascendente é de 3 cm, em média, e a síndrome de Ehlers-Danlos acomete mais comumente os segmentos descendente e abdominal da aorta1,3.

         A cirurgia de Bentall-De Bono foi proposta em 1968 por Hugh Bentall e Antony De Bono, sendo atualmente o padrão-ouro para a cirurgia de aneurisma da aorta ascendente – em razão de seu baixo risco cirúrgico, sua reprodutibilidade e longevidade – (Figura 1), que consiste no implante de um tubo protético (de Dacron ou de politetrafluoretileno – PTFE), em conjunto com uma prótese valvar4. Qualquer decisão cirúrgica deve visar ao melhor para o paciente, porém, em casos de pacientes jovens, o cirurgião cardiovascular explicita as vantagens da prótese metálica, por sua durabilidade. Contudo, seu implante requer anticoagulação crônica, para que o paciente não venha a formar trombos que podem obstruir artérias periféricas – os acidentes tromboembólicos – e o paciente deve realizar o controle periódico de razão normalizada internacional (RNI). A escolha das próteses de valva aórtica biológica (pericárdio bovino ou prótese porcina), é preferível em pacientes acima dos 65 anos de idade, cuja expectativa de vida pode até se aproximar do tempo médio de vida da prótese. Porém, tais próteses podem durar menos que o esperado e ainda serem acometidas com endocardite protética, estenose valvar ou até mesmo degeneração dos folhetos.

Figura 1 – Esquema da cirurgia de Bentall-De Bono com tubo de Dacron e prótese metálica, com imagem demonstrando a prótese.

Fonte: Google Images.

     Dessa forma, fica bem estabelecido que o uso de técnica com preservação valvar tem o benefício de manter o paciente livre da anticoagulação e de suas possíveis complicações. As técnicas de preservação da valva aórtica citadas serão as de Tirone David, Yacoub e Florida sleeve, com foco na técnica e nos resultados, de acordo com trabalhos disponíveis na literatura.

        Portanto, se a insuficiência aórtica (IAo) for secundária ao aneurisma (dissecante ou não) e os folhetos da valva aórtica estiverem com morfologia normal (estão em 30 a 50% dos casos na dissecção aguda), preservar a valva é uma alternativa5. Este é o foco do texto: vamos discorrer sobre algumas técnicas.

Técnica de Tirone David

       Consiste em uma técnica de reimplante da valva aórtica em que os pilares comissurais e seu anel são fixados no interior do tubo protético, o que assegura sustentação externa ao enxerto (Figura 2). As possíveis complicações da técnica são de alterações das propriedades hidrodinâmicas do fluxo coronariano e danos estruturais aos folhetos decorrentes de traumatismo com a prótese tubular4.

Figura 2 – Suspensão dos pilares comissurais com fios interpostos para descida e posicionamento do tubo de Dacron na cirurgia de Tirone David. Podemos evidenciar, também, os óstios coronarianos.

Fonte: Sérgio Francisco Junior.

Técnica de Yacoub

       Esta técnica consiste no remodelamento em torno da valva aórtica pela ressecção dos seios de Valsalva com implante e sutura do tubo de Dacron de modo a formar três novos seios com as extensões do tubo em forma de “língua” (Figura 3) – pelas reentrâncias do tubo que culminam com o remodelamento. Por fim, realiza-se o reimplante dos óstios coronarianos na topografia dos seios de Valsalva direito e esquerdo. Vale ressaltar que, apesar de ser uma técnica mais fisiológica, caso o cirurgião opte pela técnica de Yacoub, é necessária fixação externa do anel aórtico a fim de evitar ectasia anular4.

Figura 3 – Interposição do tubo protético de Dacron com sutura em forma de língua e reinserção das artérias coronárias.

Fonte: Google Images.

       No trabalho de Lamana et al., em que 324 pacientes foram submetidos à reconstrução da raiz aórtica (263 pela cirurgia de Bentall-De Bono e 61 pela preservação valvar, sendo 43 pela técnica de Tirone David e 18 pela técnica de Yacoub), a preservação da valva aórtica apresentou menor mortalidade intra-hospitalar (4,9 contra 6,7%), menor mortalidade tardia (p = 0,001) e menos complicações hemorrágicas (P=0,006)6.

Técnica Florida sleeve

         Esta técnica foi introduzida na UF Health (Universidade da Flórida), como uma abordagem simplificada nos casos de aneurisma da raiz aórtica com IAo leve associada nos portadores da síndrome de Marfan (SM), sendo uma facilmente reproduzível pelo fato de a raiz da aorta ser mantida intacta e protegida por uma “manga”. Além disso, o risco de sangramento é reduzido pela não ressecção dos seios de Valsalva e por não haver reimplante das artérias coronárias, visto que o tubo “veste” a região e respeita a anatomia da raiz aórtica e da origem das coronárias. Todavia, ainda há controvérsias quanto à sua durabilidade em longo prazo, estabilidade dimensional e necessidade de reoperação. No estudo de Aalaei-Andabili et al. com 37 portadores de SM submetidos à Florida sleeve, não houve necessidade de reoperação e 94% dos pacientes sobreviveram, ambos entre 1 e 8 anos de pós-operatório7.

Figura 4 – (A) Interposição da prótese tubular que “veste” a raiz aórtica pela técnica de Florida sleeve e (B) aspecto cirúrgico final do esquema.

Fonte: Google Images.

      A cirurgia de preservação da valva aórtica deve ser considerada, portanto, nos pacientes cuja anatomia da valva aórtica seja favorável, por uma equipe de cirurgiões cardiovasculares bem treinada, afastando o paciente dos riscos inerentes à troca valvar (seja biológica, seja metálica), com resultados satisfatórios em longo prazo.

Referências
  1. Mann D, Zipes DP, Libby P, Bonow RO. Braunwald – Tratado de doenças cardiovasculares. 10. ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2017.
  2. Dias RR, Stolf NA. Doenças da Aorta Torácica. Disponível em: http://www.sbccv.org.br/residentes/downloads/area_cientifica/doencas_aorta_toracica.pdf
  3. Gray H. Anatomia. 29. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1988.
  4. Dias RR, Mejía OV, Carvalho Jr. EV, Lage DOC, Dias AR, Pomerantzeff PMA, et al. Aortic root reconstruction through valve-sparing operation: critical analysis of 11 years of follow-up. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2010;25(1).
  5. Pereira WM, Frota Filho JD, Nogueira A, Santos CS, Dunch A, Vallenas M, et al. Tratamento cirúrgico da insuficiência aórtica nos aneurismas e dissecções da aorta ascendente pela técnica de Tirone David. Rev Bras Cir Cardiovasc. 1997;12(1).
  6. Lamana FA, Dias RR, Duncan JA, Faria LB, Malbouisson LMS, Borges LF, et al. Cirurgia da raiz da aorta: deve-se preservar a valva aórtica ou a operação com tubo valvulado ainda é a primeira opção de tratamento para esses pacientes? Rev Bras Cir Cardiovasc. 2015;30(3).
  7. Aalaei-Andabili SH, Martin T, Hess P, Klodell C, Karimi A, Arnaoutakis G, et al. Florida sleeve procedure is durable and improves aortic valve function in Marfan syndrome patients. Ann Thorac Surg. 2017;104(3):834-839.
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