Ode às Mulheres: a História de uma Índia Cirurgiã

Conheci a Doutora Myrian Veloso primeiro por suas palavras e sua incrível facilidade e leveza ao lidar com elas.

Nascida num munícipio chamado Xanxerê, interior do estado de Santa Catarina, ainda recém-nascida, foi levada à aldeia indígena onde cresceu com sua família, no Paraná, chamada de Terra Indígena Rio das Cobras. A comunidade hoje é a maior aldeia do Paraná, em tamanho e população, e pertence à etnia Guarani Mbyá.

Doutora Myrian fala de seu crescimento em uma comunidade muito unida, com poucas condições financeiras, mas muito rica cultural e moralmente.

Aprendeu a ler em português, desenhar e fazer trabalhos manuais antes de entrar na escola, pois foi ensinada pela avó, a grande responsável pela sua educação na infância. Os anciões são considerados os mais sábios da aldeia e as crianças, os membros mais importantes, constituindo-se no grupo prioritário.

Ela decidiu fazer medicina aos quatro anos de idade, quando quebrou o braço e precisou conhecer o “tal do médico”, que na sua mente na época “consertava pessoas”. Aos sete anos, precisou sair da aldeia para continuar estudando, mas sempre se manteve muito conectada a sua cultura e família.

Concluiu seus estudos em uma escola pública e entrou na faculdade de medicina logo após terminar o Ensino Médio, também em uma universidade pública, a Unioeste (Universidade Estadual do Oeste do Paraná), recebendo o diploma em 2013.

Após a formação, ainda não havia decidido qual especialidade seguir. Durante a faculdade, sempre teve predileção por áreas cirúrgicas, com um encantamento por habilidades manuais adquirido na infância. Entre as especialidades clínicas, desenvolveu mais interesse pela cardiologia. Ainda assim, preferiu voltar para a aldeia como médica, e hoje vê que foi a melhor escolha que poderia ter feito na época.

Trabalhou por três anos na saúde indígena, o que lhe trouxe uma experiência profissional incrível e habilidades que não teria hoje, se não fosse por esse período na atenção básica. 

Após três anos, com sua família, comunidade e cacique, decidiu que era o momento de continuar estudando e evoluindo: conciliou sua predileção pela cirurgia e o amor à cardiologia na escolha pela cirurgia cardíaca.

Atualmente, Myrian está concluindo o quarto ano da especialização no Instituto de Neurologia e Cardiologia (INC) de Curitiba.

Quando questionada sobre planos para o futuro, ela fala em concluir a residência e continuar estudando e praticando. Acredita que não se deve estagnar e se conformar, seja qual for a carreira escolhida.

Myrian leva a medicina voluntariamente para a aldeia sempre que volta. Segundo suas próprias palavras, “Aquilo que eles mais carecem é atenção básica e eu não deixei desaparecer a médica generalista que há em mim, continuo amando o atendimento à criança, ao idoso, à gestante e, o mais importante, a medicina preventiva. As comunidades indígenas são locais em que a atenção do médico e das equipes de saúde realmente fazem a diferença, e o que às vezes parece pouco tem um efeito importante“.

Pergunto à Myrian como o povo indígena encara o fato de ter uma de suas filhas como médica residente de cirurgia cardíaca. Ela me responde que é da mesma maneira que as famílias dos outros residentes encaram sua formação: com orgulho! As comunidades indígenas nada mais são do que grandes famílias, com muitas mães, pais, avós e irmãos. Uma das coisas mais importantes para o indígena é se sentir representado, e hoje, como médica, ela diz que carrega o peso de representar um povo e a responsabilidade de mostrar que o indígena deve ter acesso à educação e ser o profissional que ele almeja ser.

Termino meu artigo com o trecho de um texto publicado por Myrian, dedicado ao irmão, a respeito de uma época de grandes dificuldades financeiras, quando estava na universidade. Ela conclui: “Eu não posso dizer que para mim foi mais difícil e quem quer consegue. Então, se eu puder NÃO te dar um conselho, mas fazer apenas uma observação: um dia você vai olhar para trás e ver que o esforço valeu a pena e que você foi forte quando precisou ser”.

Um feliz dia das mulheres! Um feliz dia das cirurgiãs!

 

Fonte: texto elaborado a partir de entrevista com a Doutora Myrian Krexu Veloso.

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