REVASCULARIZAÇÃO DO MIOCÁRDIO COM MÚLTIPLOS ENXERTOS ARTERIAIS: MAIS E MELHOR ?

O emprego da artéria torácica interna esquerda ( AITE ) como enxerto para artéria interventricular anterior (AIA) é realizado por cirurgiões de todo o mundo, os benefícios do seu uso foram estabelecidos ainda nos anos 80 e até hoje é considerado o procedimento Padrão-Ouro na cirurgia de revascularização miocárdica 1, 3,4 .

Atualmente, discute-se a possibilidade do uso de múltiplos enxertos arteriais como alternativa ao uso da veia safena (VS) na revascularização do miocárdio, em razão do fluxo elevado nas arteriais reduzir a proliferação endotelial, reduzindo a taxa de  oclusão do enxerto 7. A patência dos enxertos arteriais (Artéria Torácica Interna Esquerda-ATIE; Artéria Torácica Interna Direita-ATID; Artéria Radial- RA ) permanece superior à 90% pós 15 anos enquanto a patência da VS  permanece em 86%-60% em 5-10 anos (Tatoulis et al).

As diretrizes Européias e Americanas estimulam o uso de múltiplos enxertos arteriais em pacientes com longa expectativa de vida, no entanto muitos cirurgiões o evitam devido às dificuldades técnicas de retirada dos enxertos, ao prolongamento do tempo cirúrgico e ao risco de complicações pós-operatórias 1, 3,4.

Uma análise observacional comparando a cirurgia de revascularização miocárdica com múltiplos e único enxerto arterial demonstrou que o risco de mortalidade, infarto e acidente vascular cerebral (AVC) em 10 anos, foi menor nos pacientes com múltiplos enxertos arteriais. Ademais, Yanagawa e colaboradores em seu estudo mostraram que pacientes com 3 enxertos arteriais apresentaram sobrevida maior do que aqueles submetidos à revascularização com 1 ou 2 artérias 1, 4.

Figura 2:  Análise de morte como desfecho primário e morte decorrente de infarto do miocárdio , AVC e outras causas em 10 anos. Fonte :doi: 10.1161/CIRCULATIONAHA.119.041096. Epub 2019 Oct 7. PMID: 31934782.

A recente meta-análise de Sérgio C. Rayol et al, analisou 14 estudos observando menor mortalidade no grupo de revascularização totalmente arterial. A recorrência da angina, menor sobrevida e necessidade de reoperação foram reportados em maior frequência no uso de enxertos venosos.

Figura 1: Forest plots das análises para mortalidade a longo prazo nos pacientes submetidos à revascularização totalmente arterial (TAR) ou não. Fonte : doi: 10.21470/1678-9741-2020-0653. PMID: 33594864; PMCID: PMC7918394.

Os  benefícios do uso dos enxertos arteriais na revascularização do miocárdio vão além de sua melhor patência e menor chance de oclusão. Evidências apontam que o uso de enxertos artérias está associado à redução da progressão da doença coronariana. Nos estudos CASS (Coronary Artery Surgery Study ) e RAPCO (Radial Artery Patency and Clinical Outcomes), foram observados progressão da doença coronariana no território da AIA quando esta foi revascularizada com VS, indicando que o uso de enxertos arteriais é um preditor independente da regressão da doença coronariana em 6 anos de segmento 1,4,6

Outro ponto importante, ainda muito debatido é o uso de enxertos arteriais nos idosos e nos pacientes diabéticos. Em relação ao primeiro grupo, Muneretto et al realizaram estudos comparando a revascularização totalmente arterial (RTA) com a cirurgia tradicional em pacientes > 70 anos. Concluiu-se que a revascularização totalmente arterial nos pacientes idosos não prolongou o tempo intra-operatório e não elevou as chances de complicações pós-operatórias ( tempo de intubação prolongado, infarto do miocárdio, sangramento, complicações no esterno), além disso o grupo de idosos que realizou RTA apresentou menor ocorrência de angina, necessidade de re-intervenção percutânea, infarto do miocárdio e oclusão do enxerto em 15 meses pós-procedimento 7.

Figura 3 : Comparação da incidência de complicações pós-operatórias em ambos os grupos, seguimento de 15 meses. (G1: revascularização totalmente arterial. G2: Revascularização convencional. MI: Infarto do Miocárdio. PTCA: re-intervenção percutânea). Fonte: doi: 10.1161/01.cir.0000087941.75337.f5. PMID: 12970204.

Nos pacientes diabéticos, Muneretto et al concluíram que esse grupo se beneficia da RTA, a despeito do aumento da chance de infecção esternal quando usado BITA (Ambas Artérias Torácicas Bilaterais). Segundo eles, quando as ATI são dissecadas esqueletizadas os pacientes têm a mesma chance de infecção esternal que os pacientes não diabéticos 4.

Em vista do exposto, percebe-se que os enxertos arteriais são seguros e viáveis. Embora exista uma relação direta entre a habilidade do cirurgião e a qualidade da revascularização, o uso de tais enxertos mostra-se superior em relação à sua patência, redução da progressão da doença coronariana e benefícios clínicos em médio e longo prazo.

REFERÊNCIAS:

  1. Gaudino M, Bakaeen FG, Benedetto U, Di Franco A, Fremes S, Glineur D, Girardi LN, Grau J, Puskas JD, Ruel M, Tam DY, Taggart DP; ATLANTIC (Arterial Grafting International Consortium) Alliance members. Arterial Grafts for Coronary Bypass: A Critical Review After the Publication of ART and RADIAL. Circulation. 2019 Oct 8;140(15):1273-1284. doi: 10.1161/CIRCULATIONAHA.119.041096. Epub 2019 Oct 7. PMID: 31934782.
  2. Rayol SC, Eynde JVD, Cavalcanti LRP, Escorel AC Neto, Rad AA, Amabile A, Botelho W Filho, Ruhparwar A, Zhigalov K, Weymann A, Sobral DC Filho, Sá MPBO. Total Arterial Coronary Bypass Graft Surgery is Associated with Better Long-Term Survival in Patients with Multivessel Coronary Artery Disease: a Systematic Review with Meta-Analysis. Braz J Cardiovasc Surg. 2021 Feb 1;36(1):78-85. doi: 10.21470/1678-9741-2020-0653. PMID: 33594864; PMCID: PMC7918394.
  3. Muneretto C, Negri A, Bisleri G, Manfredi J, Terrini A, Metra M, Nodari S, Cas LD. Is total arterial myocardial revascularization with composite grafts a safe and useful procedure in the elderly? Eur J Cardiothorac Surg. 2003 May;23(5):657-64; discussion 664. doi: 10.1016/s1010-7940(03)00088-5. PMID: 12754014.
  4. Muneretto C, Negri A, Manfredi J, Terrini A, Rodella G, Elqarra S, Bisleri G. Safety and usefulness of composite grafts for total arterial myocardial revascularization: a prospective randomized evaluation. J Thorac Cardiovasc Surg. 2003 Apr;125(4):826-35. doi: 10.1067/mtc.2003.154. PMID: 12698145.
  5. Nasso G, Popoff G, Lamarra M, Romano V, Coppola R, Bartolomucci F, Giglio MD, Romeo F, Tavazzi L, Speziale G. Impact of arterial revascularization in patients undergoing coronary bypass. J Card Surg. 2012 Jul;27(4):427-33. doi: 10.1111/j.1540-8191.2012.01481.x. Epub 2012 Jun 12. PMID: 22690758.
  6. Silva M, Rong LQ, Naik A, Rahouma M, Hameed I, Robinson B, Ruan Y, Jiang Y, Abed AW, Girardi LN, Gaudino M. Intraoperative graft flow profiles in coronary artery bypass surgery: A meta-analysis. J Card Surg. 2020 Feb;35(2):279-285. doi: 10.1111/jocs.14359. Epub 2019 Nov 15. PMID: 31730721.
  7. Muneretto C, Bisleri G, Negri A, Manfredi J, Metra M, Nodari S, Culot L, Dei Cas L. Total arterial myocardial revascularization with composite grafts improves results of coronary surgery in elderly: a prospective randomized comparison with conventional coronary artery bypass surgery. Circulation. 2003 Sep 9;108 Suppl 1:II29-33. doi: 10.1161/01.cir.0000087941.75337.f5. PMID: 12970204.
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