A cirurgia cardíaca, ao contrário do que é muitas vezes propagado, vem aumentando a sua incidência em Centros Hospitalares Nacionais, principalmente na área das cardiopatias congênitas, seguida das cirurgias valvares e da revascularização do miocárdio1, o que também fez aumentar a demanda pela inclusão de procedimentos minimamente invasivos e percutâneos, buscando-se uma menor agressão cirúrgica, menos dor, menor tempo de permanência, estética melhorada e retorno mais rápido ao nível pré-operatório de atividade funcional2.
Na década de 90, com a criação de novos materiais cirúrgicos voltados para procedimentos endoscópicos, houve difusão da cirurgia minimamente invasiva, principalmente na área da cirurgia torácica1. Foi nesse cenário que a cirurgia cardiovascular se reinventou e incluiu tal técnica no tratamento cirúrgico de algumas cardiopatias. Os primeiros relatos publicados de revascularização do miocárdio minimamente invasiva foram descritos por Robinson et al.3; em 1996, Cosgrove e Sabik4 reportaram técnica minimamente invasiva para cirurgia valvar aórtica. No mesmo ano, Navia e Cosgrove5 descreveram técnica minimamente invasiva para cirurgia valvar mitral.
A cirurgia cardíaca minimamente invasiva videoassistida consiste em abordar o coração por meio de pequenas incisões no tórax, associadas ao uso de um sistema de vídeo para captura de imagens intratorácicas, de alta definição e ampliadas, sem que seja feito o manuseio direto do órgão (figuras 1 e 2), sendo atualmente já utilizada em diferentes procedimentos cirúrgicos: correção da valvopatia mitral, aórtica e tricúspide; na correção cirúrgica da fibrilação atrial; na correção da comunicação interatrial (CIA), na ressecção de tumores intracardíacos e em alguns casos de revascularização do miocárdio6.
Figura 1. Incisões no tórax em cada tipo de cirurgia. Fonte: Incor Kubrusky7
Figura 2. Acesso por videolaparoscopia na cirurgia cardíaca minimamente invasiva. Fonte: Câmara8
O desenvolvimento dessas técnicas possibilitou o desenvolvimento da aplicação de visualização e instrumentação endoscópica, o que abriu caminho para mais um novo capítulo da cirurgia cardíaca: a evolução da cirurgia cardíaca assistida por robótica2. Por meio desta técnica se consegue realizar procedimentos com incisões mínimas e com o auxílio de um sistema robótico. Um cirurgião especificamente habilitado e treinado manipula remotamente os braços do robô por meio de um console. Um dos braços robóticos segura uma microcâmera que é inserida no tórax do paciente para captar imagens em alta definição, ampliadas e tridimensionais, o que confere maior nitidez à cirurgia, sendo essas imagens enviadas ao console para que o médico as visualize6. Atualmente, o sistema cirúrgico da Vinci ™ (Intuitive Surgical, Sunnyvale, CA, EUA) é o único sistema robótico aprovado pela Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos para ser usado em procedimentos cirúrgicos cardíacos (Figura 3). Hoje, através da cirurgia assistida por robótica, são realizados procedimentos como: reparos valvares mitrais complexos, revascularizações coronárias, ablações de fibrilação atrial, ressecções de tumor intracardíaco e procedimentos de cirurgia cardíaca congênita2.
Figura 3. Cirurgia com robô Da Vinci. Fonte: Poffo et al.9
No Brasil, a primeira cirurgia cardíaca robótica foi realizada em março de 2010, comandada pelo Dr. Robinson Poffo, no Hospital Israelita Albert Einstein, primeiro procedimento do gênero realizado na América Latina (Figura 4), dando assim ao país um papel de destaque no cenário das técnicas minimamente invasivas. Vale ressaltar, contudo, que o próprio cirurgião, em entrevista à Folha de São Paulo, refere que nem todos os pacientes tem indicação para essa técnica, visto que o paciente não pode ter nenhuma anormalidade na caixa torácica e também tem que ter uma boa circulação periférica.
Figura 4. Primeira cirurgia cardíaca robótica. Fonte: Folha de São Paulo10
É importante ressaltar também que apesar de todos os benefícios descritos, várias limitações têm dificultado a aceitação da cirurgia cardíaca robótica. Uma delas é o custo, visto que necessita de equipamentos mais complexos e uma equipe especializada. Além disso, muitos cirurgiões continuam preocupados com a falta de feedback tátil. Os cirurgiões cardíacos se familiarizaram com a “tactilidade ocular”, contando com a deformação visual do tecido para julgar a quantidade de força aplicada aos tecidos2. Outro ponto importante é que ainda existem poucos estudos com resultados a longo prazo e com série maior de pacientes, que demonstrem superioridade dessa técnica em relação as técnicas convencionais, até mesmo por ser algo relativamente recente e apenas realizado em grandes centros.
De fato, a cirurgia cardíaca robótica parece ter, apesar das atuais dificuldades, um futuro promissor. Vale à pena acompanhar os novos capítulos da história da cirurgia cardiovascular, uma especialidade em constante evolução.
Referências
- Moreira LFP, Celullari AL. Cirurgia cardíaca minimamente invasiva no Brasil. J. Cardiovasc. Surg. 2011; 26 (4).
- Bush B, Nifong LW, Chitwood WR. Robotics in Cardiac Surgery: Past, Present, and Future. Rambam Maimonides Med J. 2013; 4(3): e0017.
- Robinson MC, Gross DR, Zeman W, Stedje-Larsen E. Minimally invasive coronary artery bypass grafting: a new method using an anterior mediastinotomy. J Card Surg. 1995;10(5):529-36.
- Cosgrove DM 3rd, Sabik JF. Minimally invasive approach for aortic valve operations. Ann Thorac Surg. 1996;62(2):596-7.
- Navia JL, Cosgrove DM 3rdMinimally invasive mitral valve operations. Ann Thorac Surg. 1996;62(5):1542-4.
- Poffo R. Centro de Cirurgia Cardíaca Minimamente Invasiva e Robótica & Sala Híbrida. Disponível em: <https://www.einstein.br/especialidades/cardiologia/estrutura/cirurgia-cardiaca-minimamente-invasiva-robotica-sala-hibrida>. Acesso em 18 ago. 2021.
- Incor Kubrusky. Cirurgia Cardíaca Minimamente Invasiva (Minimally Invasive Heart Surgery – MICS). Disponível em: <https://incorcuritiba.com.br/cirurgia-cardiaca-minimamente-invasiva-minimally-invasive-heart-surgery-mics/7>. Acesso em 18 ago. 2021.
- Câmara B. Biomédico perfusionista é referência em cirurgia cardíaca minimamente invasiva. Biomedicina padrão: o blog da biomedicina. Disponível em: < https://www.biomedicinapadrao.com.br/2019/06/biomedico-perfusionista-e-referencia-em.html>. Acesso em 18 ago. 2021.
- Poffo R, Toschi AP, Pope RB, Cellulare AL, Benicio A, Fischer CH et al. Cirurgia robótica em Cardiologia: um procedimento seguro e efetivo. Einstein. 2013;11(3):296-302.
- Folha de São Paulo. Brasil faz 1ª cirurgia cardíaca com robô. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/fsp/saude/sd1703201001.htm>. Acesso em 18 ago. 2021.