Medicina de precisão em cirurgia cardiovascular

 

Medicina de precisão é um conceito emergente de atendimento médico que propõe a personalização de cuidados de saúde, com decisões médicas, tratamentos, práticas ou produtos adaptados a cada indivíduo ou subpopulação de indivíduos. Um dos pilares da medicina de precisão é a utilização de técnicas diagnósticas que identifiquem o contexto de cada paciente desde suas características genéticas até suas particularidades anatômicas. Além da precisão diagnóstica, o conceito também propõe a utilização de tratamentos pensados e formulados individualmente, desde a utilização de drogas que atuem em vias biomoleculares específicas de um paciente até cirurgias que utilizem técnicas emergentes como realidade virtual e impressão 3D. Em comum a todas as etapas do acompanhamento médico está o uso de algoritmos que auxiliam o diagnóstico, orientam o tratamento e suportam as decisões e atos médicos.

Naturalmente, para a área cirúrgica, o diagnóstico baseado em padrões genéticos e o uso de drogas específicas parecem de menor importância para a prática clínica diária. Ainda assim, essas aplicações da medicina de precisão podem atuar com grandes adjuvantes do tratamento cirúrgico, desde o momento da anestesia até o do controle de sintomas no período pós-operatório. Um exemplo é a identificação de polimorfismos dos receptores β1 e β2 adrenérgicos; tais variações demonstraram ser capazes de prever a mortalidade em pacientes que receberam alta em uso de beta-bloqueadores [1]. Outro exemplo é a variação cromossômica 9p21, que é capaz de prever mortalidade após cirurgia de revascularização do miocárdio e melhora significativamente o valor preditivo do EuroSCORE [2]. Esses são só dois dos muitos exemplos de como o diagnóstico e reconhecimento de propriedades intrínsecas ao indivíduo podem impactar os resultados cirúrgicos.

Existem, ainda, outras aplicações da medicina de precisão que podem ser de ainda maior interesse para o cirurgião. Tomemos como exemplo o caso da valva aórtica bicúspide associada a dilatação da aorta. Os padrões de ressecção profilática da aorta proximal conforme definidos em diretrizes – que atualmente se baseiam principalmente no tamanho da aorta e nos critérios de crescimento – não contemplam a grande variabilidade da anatomia encontrada nos pacientes. Assim, um grupo de pesquisadores da University of Calgary em parceria com a University of Chicago aplicaram conceitos de medicina de precisão e utilizaram novas técnicas de imagem para estabelecer biomarcadores hemodinâmicos não-invasivos capazes de prever os riscos cirúrgicos de cada paciente [3]. Outro tópico em medicina de precisão cuja aplicação interessa diretamente aos cirurgiões é o uso de modelagem computacional que permita a particularização dos pacientes em relação a seus aspectos anatômicos. Dessa forma, é possível que o planejamento cirúrgico seja realizado de acordo com o conhecimento prévio da anatomia do indivíduo e que os riscos de diferentes estratégias cirúrgicas sejam avaliadas in silico; a este processo dá-se o nome de “cirurgia aumentada” [4].

Embora a medicina de precisão esteja apenas dando os seus primeiros passos, já podemos ver evidência de seu uso na cirurgia cardiovascular. A tendência, nos próximos anos, é cada vez mais termos o apoio da tecnologia para o planejamento e estratificação cirúrgica. Cada paciente deverá ser avaliado como indivíduo com particularidades inerentes a desde o seu genoma à sua anatomia.

REFERÊNCIAS

1. Lanfear DE, Jones PG, Marsh S, Cresci S, McLeod HL, Spertus JA. Beta2-adrenergic receptor genotype and survival among patients receiving beta-blocker therapy after an acute coronary syndrome. JAMA. 2005;294: 1526–1533.

2. Muehlschlegel JD, Liu K-Y, Perry TE, Fox AA, Collard CD, Shernan SK, et al. Chromosome 9p21 variant predicts mortality after coronary artery bypass graft surgery. Circulation. 2010;122: S60–5.

3. Fatehi Hassanabad A, Hassanabad AF, Barker AJ, Guzzardi D, Markl M, Malaisrie C, et al. Evolution of Precision Medicine and Surgical Strategies for Bicuspid Aortic Valve-Associated Aortopathy. Front Physiol. 2017;8. doi:10.3389/fphys.2017.00475

4. Kassab GS, An G, Sander EA, Miga MI, Guccione JM, Ji S, et al. Augmenting Surgery via Multi-scale Modeling and Translational Systems Biology in the Era of Precision Medicine: A Multidisciplinary Perspective. Ann Biomed Eng. 2016;44: 2611–2625.

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