O maior inimigo do pulmão é também inimigo do seu coração

A Organização Mundial da Saúde (OMS) instituiu o dia 31 de maio como o Dia Mundial Sem Tabaco. De acordo com a OMS, cerca de um bilhão de pessoas são fumantes no mundo, sendo a dependência da nicotina a principal causa de morte evitável em todo o globo (1).

Além da conhecida relação entre tabagismo e câncer do pulmão, hoje sabemos que também existe uma forte associação entre o tabaco e as doenças cardiovasculares. O último levantamento da OMS demonstrou que as doenças cardiovasculares são responsáveis por cerca de 17,7 milhões de óbitos por ano, dentre as quais 3 milhões ocorrem em decorrência do consumo de tabaco. Ou seja, globalmente, a cada hora, cerca de 350 pessoas vão a óbito por alguma doença cardiovascular em razão da dependência nicotínica (1,2).

As ações da nicotina se fazem fundamentalmente pelo sistema nervoso autônomo, agindo através de receptores colinérgicos nos gânglios autônomos, na medula adrenal, junção neuromuscular e sistema nervoso central (3). Quando falamos de sistema cardiovascular, a principal teoria se baseia na atividade adrenérgica aumentada pela presença da nicotina, gerando uma disfunção endotelial que culmina em inflamação crônica, desenvolvimento acelerado de aterosclerose, alteração na função plaquetária e aumento da pressão arterial e da atividade cardíaca (4).

O estudo de Aronow et al., por exemplo, demonstrou um aumento da frequência cardíaca em fumantes que faziam uso de cigarro com nicotina, mas não naqueles que usavam cigarro sem nicotina (5). De forma semelhante, um estudo publicado recentemente na Circulation (6) avaliou os efeitos simpatomiméticos de cigarros eletrônicos com ou sem nicotina, e concluiu que os usuários de cigarro eletrônico com nicotina apresentaram uma atividade do sistema nervoso autônomo aumentada, quando comparados ao grupo que utilizou o cigarro livre da substância.

Ainda assim, além da nicotina sabemos que o cigarro possui cerca de 4 mil componentes que podem agir sobre diversos receptores e sistemas efetores do organismo ao mesmo tempo, com ações estimulantes e/ou depressoras, que variam de acordo com o metabolismo de cada organismo acometido, e hoje são alvo de grande estudo em diversas linhas de pesquisa.

Apesar de todos os malefícios, o elevado número de fumantes no mundo ainda assusta. Sabemos que a atividade da nicotina no nível do sistema nervoso central (centro dopaminérgico-mesolímbico) é responsável pela dependência e dificuldade em controlar o comportamento de consumir a substância. Entretanto, essa ação central não é o único motivo pelo qual ainda temos um grande número de indivíduos fumantes no mundo.

A campanha contra o tabagismo de 2018 da OMS demonstrou que em algumas populações ainda não há pleno conhecimento sobre os malefícios do cigarro, especialmente sobre o sistema cardiovascular. Na China, por exemplo, cerca de 61% dos adultos avaliados não tinham conhecimento sobre a relação entre cigarro e infarto; na Índia, esse índice foi de 36% e em países como México, Polônia e Rússia, os números foram próximos a 25%. No Brasil, cerca de 40% dos adultos avaliados não conheciam os possíveis danos do tabagismo no aparelho cardiovascular (infarto agudo do miocárdio e acidente vascular encefálico) (7).

A cessação do tabagismo traz consequências imediatas para o indivíduo. Em 20 minutos, por exemplo, os níveis de pressão arterial e frequência cardíaca caem, em 12 horas as concentrações de monóxido de carbono no sangue caem para níveis próximos da normalidade e em 1 ano o risco de infarto agudo do miocárdio cai pela metade (8-10). Por isso o dia 31 de maio é tão importante: além de um alerta para os riscos do tabagismo, também nos lembra que nunca é tarde para parar de fumar.

Referências:

  1. Brasil. Instituto Nacional do Câncer. Dados e números da prevalência do tabagismo. Brasília: Ministério da Saúde; 2019.

  2. World Health Organization. Global atlas on cardiovascular disease prevention and control: Policies, strategies and interventions. World Health Organization; 2011.

  3. Kool MJ, Heks AP, Struigker Budier HA. Short and long-term effects of smoking on arterial wall properties in habitual smokers. J Am Coll Cardiol. 1993;22:1881-6.

  4. Franken RA, Nitrini G, Franken M, Fonseca AG, Leite JTC. Nicotina. ações e interações. Arq Bras Cardiol. 1996;66(1):371-3.

  5. Aronow WS, Dendiger J, Rokaw SN. Heart rate and carbon monoxide level after smoking high, low and no nicotine cigarettes. A study in male patients with angina pectoris. Ann Intern Med. 1971;74:697-702.

  6. Moheimani RS, Bhetraratana M, Peters KM, Yang BK, Yin F, Gornbein J, et al. Sympathomimetic effects of acute e‐cigarette use: role of nicotine and non‐nicotine constituents. J Am Heart Assoc. 2017;6:e006579. doi: 10.1161/JAHA.117.006579.

  7. World Health Organization. World No Tobacco Day 2018: Tobacco breaks hearts – choose health, not tobacco. Geneva: World Health Organization; 2018.

  8. Mahmud A, Feely J. Effect of smoking on arterial stiffness and pulse pressure amplification. Hypertension. 2003;41(1):183-7.

  9. United States Department of Health and Human Services. The health consequences of smoking. Nicotine addiction: a report of the Surgeon General. Atlanta, GA: United States Department of Health and Human Services, Centers for Disease Control and Prevention, National Center for Chronic Disease Prevention and Health Promotion, Office on Smoking and Health; 1988.

  10. United States Department of Health and Human Services. The health benefits of smoking cessation: a report of the Surgeon General. Atlanta, GA: United States Department of Health and Human Services, Centers for Disease Control and Prevention, National Center for Chronic Disease Prevention and Health Promotion, Office on Smoking and Health; 1990.

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