A IMPORTÂNCIA DA HIPOTERMIA DURANTE A REALIZAÇÃO DE PROCEDIMENTOS CARDÍACOS

Recentemente, noticiários do mundo inteiro divulgaram a história de uma cidadã britânica, Audrey Marsh, que foi reanimada após sofrer uma parada cardiorrespiratória (PCR) decorrente de hipotermia durante uma tempestade de neve nos Pirineus, Espanha. A peculiaridade do caso deve-se à duração da PCR: cerca de 6 horas.

A tempestade ocorreu por volta das 13h e o resgate alcançou Audrey após 2 horas. Sua temperatura corporal era de 18°C e ela não apresentava qualquer atividade elétrica cardíaca ou sinais vitais. Dessa forma, a paciente foi ligada à máquina de oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO), a qual mantém as funções cardíaca e pulmonar, garantindo o aquecimento gradual e a oxigenação do sangue. Com isso, quando a temperatura corporal chegou aos 30°C, os médicos realizaram manobras de ressuscitação cardiopulmonar, obtendo sucesso em suas tentativas. Atualmente, a paciente já recebeu alta do hospital, sem sequelas neurológicas.

A hipotermia induzida nos pacientes submetidos à cirurgia cardíaca reduz o risco de dano ao cérebro e demais órgãos durante a parada da circulação. A hipotermia é uma técnica conhecida desde os primeiros testes em cachorros em 1950, que tinham sua temperatura reduzida para 20ºC com PCR por 15 minutos e depois se recuperavam. O primeiro uso relatado em humanos foi em 1953, na correção de um defeito do septo atrial em uma menina de 5 anos, quando fizeram um resfriamento através da pele. Apenas em 1975 foi relatada a primeira série de casos com hipotermia utilizando a máquina de circulação extracorpórea (CEC) da forma que conhecemos hoje.

Uma hipótese básica que sustenta o uso da parada circulatória para cirurgia cardíaca e aórtica é a existência de uma duração segura desse estado, sendo inversamente proporcional à temperatura do organismo durante o período de parada. A hipotermia reduz a atividade metabólica na medida em que os estoques de energia disponíveis nos vários órgãos mantêm a viabilidade celular durante todo o período isquêmico da parada circulatória e, assim, permitem que estrutura e função normais retornem após a reperfusão.

Para tal hipótese, a Figura 1, plotada com dados de diversos estudos, demonstra a relação entre temperatura e consumo de oxigênio do corpo, ou VO2, que é considerado um marcador da atividade metabólica. A prática disso na cirurgia é representada pela Figura 2. Nela é possível ver que, quanto menor a temperatura, maior o tempo que é possível ficar em parada circulatória antes de haver chance de qualquer dano ao organismo, ou seja, a segurança é maior. Percebe-se que, se as cirurgias cardíacas fossem feitas com a temperatura normal do organismo (cerca de 37ºC), com 10 minutos de parada circulatória, praticamente 100% dos pacientes teriam danos.

Todos os dias, milhares de pacientes são operados ao redor do mundo sob hipotermia profunda, sendo salvos graças a essa tecnologia que a própria natureza por vezes nos ajuda, como no caso de Audrey Marsh.

Figura 1. Relação entre temperatura e consumo de oxigênio do corpo (VO2).

Figura 2. Probabilidade de parada circulatória segura estimada (ausência de dano estrutural ou funcional) de acordo com a duração, com temperaturas nasofaríngeas de 37°C, 28°C e 18°C.

Sugestões de leitura:

  1. https://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2019/12/05/medicos-espanhois-revivem-mulher-apos-mais-de-seis-horas-de-parada-cardiaca.ghtml [Acesso em: 16 dez. 2019].
  2. Kouchoukos NT, Kirklin JW. Kirklin/Barratt-Boyes cardiac surgery: morphology, diagnostic criteria, natural history, techniques, results, and indications. Philadelphia: Elsevier/Saunders; 2013. p.68-80.

 

Ana Paula Limberger 

Gabriel Lorente Mitsumoto



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