Em tempos de pandemia de coronavírus, leitos de isolamento foram criados e houve uma mobilização em massa de profissionais da saúde para o cuidado de pacientes infectados, resultando em uma breve diminuição nos leitos para pacientes não contaminados por esse vírus, além de as cirurgias eletivas serem suspensas em todas as especialidades.
Diante deste cenário, o editorial da última edição da revista do Brazilian Journal of Cardiovascular Surgery[1] tratou de um tema importante: a escolha do momento certo de realizar a cirurgia cardíaca.
É necessário haver um balanço, como aprendido desde o primeiro ano da faculdade de medicina, definindo o risco/benefício e individualizando cada paciente. A mortalidade pelo coronavírus em pacientes internados varia de 11 a 15%, números que assustam tanto pessoas que não precisam de cuidados hospitalares quanto as que precisam. Esse medo foi descrito pela rede de televisão americana NBC em uma reportagem[2].
O homem citado na reportagem estava em sua casa em Nova Iorque plantando uma macieira, quando sentiu uma dor precordial terrível. Por medo de contrair o coronavírus, que até então tinha matado mais de 15 mil pessoas na cidade, ele demorou horas até ligar para a emergência, o que quase lhe custou a vida. No fim, ele foi submetido a uma cirurgia de revascularização do miocárdio, a primeira daquele hospital desde o início da pandemia. O hospital transformou a sala de cirurgia em uma UTI cardíaca, até ele ter alta 5 dias depois.
As cirurgias eletivas têm a característica de serem feitas em pacientes estáveis, em um bom momento para operar. O tempo de quarentena atrasará todas essas cirurgias, podendo inclusive torná-las mais difíceis e complexas, “urgenciando” e fazendo com que os pacientes deixem de estar com um status mais estável, passando para uma condição de maior risco de complicações.
Não é só a piora clínica que surge como um fator. Os potenciais recursos que estariam direcionados para o tratamento de pacientes com coronavírus, como ventiladores mecânicos, ou mesmo UTIs, podem estar limitados[3].
Cabe ao cirurgião, ao cardiologista, ao perfusionista…, ou seja, ao Heart Team, definir o melhor momento de operar cada um desses pacientes individualmente, sempre pensando no seu risco/benefício.
Referências
- Barros L, Rivetti LA, Furlanetto BH, Teixeira EM, Welikow A. COVID-19: general guidelines for cardiovascular surgeons (standard guidelines – subject to change). Braz J Cardiovasc Surg. 2020;35(2):I-III.
- https://www.nbcnewyork.com/news/local/nyc-open-heart-surgery-patient-almost-waited-too-long-to-call-911-over-covid-19-fears/2387999/ [Acesso em: 28 abr 2020].
- Stephens EH, Dearani JA, Guleserian KJ, Overman DM, Tweddell JS, Backer CL, et al. COVID-19: Crisis management in congenital heart surgery. Ann Thorac Surg. 2020; pii: S0003-4975(20)30540-3.