As novas lições dos grandes bancos de dados (inter)nacionais

A Society of Thoracic Surgeons (STS) é uma das mais respeitadas sociedades do mundo no que se refere à cirurgia cardiovascular. Em 1989 ela criou o Adult Cardiac Surgery Database (ACSD) para avaliar os resultados de curto prazo da mortalidade das cirurgias de revascularização do miocárdio. Desde então o ACSD evoluiu e hoje compreende um banco de dados que provê informações a respeito de todos os tipos de cirurgia cardíaca, com alta qualidade e relevância clínica para seus participantes, para autoavaliação e melhoria.

No começo deste ano, a STS publicou uma atualização (1) de uma série de relatórios anuais sobre o ACSD que descrevem os resultados agregados nacionais atuais e as tendências de volume em cirurgia cardíaca e resume o trabalho relacionado à base de dados na medição de qualidade e na melhora do desempenho durante o ano de 2016. Neste relatório, o ACSD já possui acumulado mais de 6,28 milhões de registros de pacientes, e contém as informações de mais de 95% das cirurgias cardíacas realizadas em adultos anualmente nos Estados Unidos (2,3).

Na Figura 1, podemos ver a distribuição das cirurgias realizadas no ano de 2016. Os 17% dos procedimentos citados como “outros” na figura incluem procedimentos como reparo/substituição da válvula tricúspide, ablação cirúrgica da fibrilação atrial, implantação do dispositivo de assistência ventricular e reparo dos defeitos septais, entre outros, realizados isoladamente ou em combinação com outros procedimentos.

Figura 1. Distribuição relativa das operações cardíacas por tipo de procedimento para o ano civil de 2016. Os procedimentos incluídos dentro de uma caixa são aqueles para os quais a STS ACSD desenvolveu modelos de ajuste de risco e classificações de qualidade. AVR: substituição da valva aórtica; CABG: revascularização do miocárdio; VM: valva mitral; MVR: substituição de valva mitral.
Fonte: D’Agostino et al., 2018 (1).

Na Tabela 1, podemos ver os resultados dos procedimentos cirúrgicos cardíacos mais comuns no ano de 2016. A fibrilação atrial de novo continua sendo a complicação pós-operatória mais comum após operações cardíacas, acometendo cerca de um terço dos pacientes, e suas taxas não mudaram desde os relatórios prévios (4,5), apesar de anos de investigação e numerosas propostas de estratégias de controle.

Tabela 1. Resultados dos procedimentos cirúrgicos cardíacos mais comuns no ano de 2016. AF: fibrilação atrial; AVR: substituição de valva aórtica; CABG: revascularização do miocárdio; DSWI: infecção profunda da ferida esternal; LOS: duração da internação; MV: valva mitral; MVR: substituição de valva mitral).
Fonte: adaptada de D’Agostino et al., 2018 (1)

 

Na Figura 2 podemos ver a tendência do volume de cirurgias de valva aórtica e de aorta torácica. O número de cirurgias de aneurisma da aorta mostrou um aumento constante. As cirurgias de troca de valva mitral aumentaram cerca de 95% de 2006 a 2013, porém o volume tendeu a diminuir nos últimos três anos, enquanto há um contraste marcante em relação à ascensão meteórica do número de procedimentos transcateter, desde sua aprovação pela Food and Drug Administration em 2011 (6,7).

 

Figura 2. Mudança no volume de procedimento para válvula aórtica e procedimentos aórticos torácicos de 2006 a 2016. O aneurisma aórtico inclui procedimentos na aorta ascendente, arco aórtico e aorta descendente e toracoabdominal. AVR: substituição de valva aórtica; CABG: revascularização miocárdica; TAVR: substituição da valva aórtica transcateter.
Fonte: D’Agostino et al., 2018 (1).

 

Aqui apresentamos o Adult Cardiac Surgery Database, da Society of Thoracic Surgeons, e mostramos alguns dos dados mais interessantes do seu último relatório, um dos maiores e mais completos bancos de dados sobre cirurgia cardíaca do mundo. Agora, vamos falar sobre um projeto recente, ambicioso e de grande importância nacional: o Projeto BYPASS, o registro brasileiro de pacientes adultos submetidos a cirurgia cardiovascular (8), um registro de acompanhamento nacional, observacional, prospectivo e longitudinal, com o objetivo de traçar um perfil dos pacientes submetidos a cirurgia cardiovascular no Brasil.

Por mais que os registros internacionais, como o caso do STS ACSD, sejam precisos, completos e de qualidade, eles falham em um aspecto importante: nós não conseguimos aplicar e extrair suas informações de maneira perfeita, pois nossa população é diferente da população de outros países. Esta será a grande importância do BYPASS: nos trazer dados nacionais para aplicarmos no cotidiano da cirurgia cardíaca. No Brasil não conhecemos como um todo os dados epidemiológicos dos pacientes submetidos a cirurgia cardiovascular, como eles evoluem, suas complicações e seu desfecho, e esse estudo tem a ambição de preencher essa lacuna.

Durante o 44º Congresso da Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular (SBCCV), foram apresentados os resultados iniciais dos 1.722 pacientes incluídos no BYPASS e o artigo referente à apresentação está disponível de maneira open-access no Brazilian Journal of Cardiovascular Surgery (http://www.bjcvs.org/pdfRBCCV/v32n2a03.pdf) para leitura. Atualmente o projeto conta com mais de 3 mil pacientes incluídos em seu banco de dados e já possui frutos, uma vez que dois temas orais serão apresentados durante o 45º Congresso da SBCCV a partir da análise do registro.

Conforme mais pacientes sejam incluídos no registro e mais informações sejam coletadas, maiores e mais complexas pesquisas poderão ser realizadas e importantes insights resultarão desses esforços (9). Para mais detalhes do projeto, é possível consultar o artigo no Blog do BJCVS, o próprio artigo por meio link acima, ou aguardar o 45º Congresso da SBCCV, a ser realizado em abril de 2018.

“Uma jornada de mil milhas começa com um passo.” Essa frase de Lao Tzu é citada logo abaixo do título do artigo do BYPASS (8). Hoje o STS ACSD possui mais de 6,28 milhões de registros de pacientes, mas um dia possuiu “apenas” 1.722 registros.

Referências

1. D’Agostino RS, Jacobs JP, Badhwar V, Fernandez FG, Paone G, Wormuth DW, et al. The Society of Thoracic Surgeons Adult Cardiac Surgery Database: 2018 Update on Outcomes and Quality. Ann Thorac Surg. 2018;105(1):15-23.

2. Jacobs JP, Edwards FH, Shahian DM, Haan CK, Puskas JD, Morales DL, et al. Successful linking of the Society of Thoracic Surgeons adult cardiac surgery database to Centers for Medicare and Medicaid Services Medicare data. Ann Thorac Surg. 2010;90(4):1150-6; discussion 6-7.

3. Jacobs JP, Shahian DM, He X, O’Brien SM, Badhwar V, Cleveland JC, Jr., et al. Penetration, completeness, and representativeness of The Society of Thoracic Surgeons Adult Cardiac Surgery Database. Ann Thorac Surg. 2016;101(1):33-41; discussion 41.

4. D’Agostino RS, Jacobs JP, Badhwar V, Paone G, Rankin JS, Han JM, et al. The Society of Thoracic Surgeons Adult Cardiac Surgery Database: 2017 Update on Outcomes and Quality. Ann Thorac Surg. 2017;103(1):18-24.

5. D’Agostino RS, Jacobs JP, Badhwar V, Paone G, Rankin JS, Han JM, et al. The Society of Thoracic Surgeons Adult Cardiac Surgery Database: 2016 Update on Outcomes and Quality. Ann Thorac Surg. 2016;101(1):24-32.

6. Grover FL, Vemulapalli S, Carroll JD, Edwards FH, Mack MJ, Thourani VH, et al. 2016 Annual Report of The Society of Thoracic Surgeons/American College of Cardiology Transcatheter Valve Therapy Registry. Ann Thorac Surg. 2017;103(3):1021-35.

7. Holmes DR, Jr., Nishimura RA, Grover FL, Brindis RG, Carroll JD, Edwards FH, et al. Annual outcomes with transcatheter valve therapy: from the STS/ACC TVT Registry. Ann Thorac Surg. 2016;101(2):789-800.

8. Gomes WJ, Moreira RS, Zilli AC, Bettiati LC, Jr., Figueira F, SSP DA, et al. The Brazilian Registry of Adult Patient Undergoing Cardiovascular Surgery, the BYPASS Project: Results of the First 1,722 Patients. Braz J Cardiovasc Surg. 2017;32(2):71-6.

9. Liguori GR. Brazilian Journal of Cardiovascular Surgery Blog [Internet] 2017. [acessado em 13 fev. 2018]. Disponível em: https://www.bjcvs.blog/single-post/2017/06/24/BYPASS-o-registro-brasileiro-de-pacientes-adultos-submetidos-a-cirurgia-cardiovascular.

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