Cirurgia robótica em cardiologia – desafio no Brasil e nos centros internacionais

Em 1921, surgia no mundo o termo “robô”, originado da palavra tcheca robota, que significa “trabalho”, trazendo uma ideia inicial de tarefa repetitiva orientada pela máquina. A criação de robôs associados ao desenvolvimento da tecnologia permitiu a aplicação dessas máquinas em diversas áreas de trabalho, e mais recentemente na assistência de saúde, como as cirurgias. A ideia de inserir robôs em cirurgias não é recente. Na verdade, para entendermos o que é a cirurgia robótica hoje, precisamos dar um passo atrás e entender como ela começou. E o conceito da aplicabilidade de robôs em cirurgias começa a ser desenhado no campo militar, há mais de 60 anos – durante os combates militares, as principais causas de morte eram choque hemorrágico e politrauma, e, para evitar um desfecho ruim, o ideal seria que o militar recebesse cuidados cirúrgicos imediatamente e não precisasse ser deslocado até o hospital, que na maioria das vezes era muito distante. Assim surgiu a ideia da “hora de ouro”, ou seja, a sala de cirurgia foi levada até o local de combate, possibilitando uma intervenção mais rápida e garantida. Além disso, durante a Guerra Fria, a disputa pelo desenvolvimento tecnológico entre União Soviética e Estados Unidos trouxe grandes avanços na área, inclusive com a criação do sistema de telemanipulação e telepresença robotizada, cruciais para o desenvolvimento do conceito de telecirurgia.1 Em 1985, aconteceu a primeira biópsia de neurocirurgia através de uma plataforma em robô, chamada Programmable Universal Machine for Assembly (PUMA) 200, que posteriormente foi adaptada e usada em outras especialidades.

Programmable Universal Machine for Assembly (PUMA) 200.

A década de 1990 foi crucial no avanço dessa área. Em 1994, surgiu o primeiro modelo de braço robótico, o AESOP 1000, controlado por pedais, que posteriormente teve várias alterações, sendo importante na substituição da necessidade do cirurgião assistente.

AESOP (sistema endoscópico automatizado para posicionamento ideal).

Vários modelos foram surgindo ainda na década de 1990, como o robô ZEUS, usado em 1999 para a colocação de um enxerto de coração na artéria coronária. Mas o grande marco ocorreu em 1998, com o lançamento, pela empresa Intuitive, do robô da Vinci, importante para o desenvolvimento da cirurgia robótica em várias especialidades, inclusive na cirurgia cardiovascular, possibilitando procedimentos menos invasivos comparados à esternomia padrão. Ao longo dos anos 2000, o da Vinci passou por várias alterações, com aperfeiçoamento de seus sistemas de imagens e de tecnologia, tornando-se o robô mais utilizado em cirurgia robótica.

Modelo do robô da Vinci S, lançado em 2006.
Modelo Si, terceira geração do da Vinci.

Atualmente, a cirurgia robótica tem tido uma importância muito grande dentro do campo cirúrgico, tornando-se parte da evolução natural da cirurgia minimamente invasiva, conseguindo englobar alta definição, visão estereoscópica tridimensional e ampliação, câmera estável e guiada pelo cirurgião, ergonomia aprimorada, amplitude superior de movimento e de escala.

Na cirurgia cardiovascular, a busca por técnicas menos invasivas, a fim de reduzir o impacto da cirurgia com “peito aberto”, fez com que a cirurgia videoassistida e a cirurgia cardíaca robótica fossem cada vez mais introduzidas na rotina do cirurgião cardíaco. Uma incisão menor e uma instrumentação especializada para acessar o coração, possibilitando uma visualização mais ampliada da área operada, possibilitam uma recuperação mais rápida e um tempo de internação menor.

A cirurgia cardíaca robótica tem crescido cada vez mais entre as técnicas minimamente invasivas, mostrando ser segura e eficaz, com destaque para a precisão das técnicas e o menor trauma causado no paciente. Outra área ligada à cirurgia robótica é a telecirurgia, que também tem ganhado espaço na cirurgia cardiovascular, permitindo que os procedimentos cirúrgicos sejam feitos por cirurgiões especializados mesmo a quilômetros de distância.2

Sistema robótico DaVinci conectado aos trocartes. Fonte: Poffo et al.3

Hoje, procedimentos como revascularização do miocárdio, reparação ou substituição valvar e correções de defeitos congênitos cardíacos já são realizados por sistemas robóticos de forma segura. Uma das grandes vantagens dessa técnica é a possibilidade de obter uma grande precisão, com movimentos precisos e delicados, sem causar danos aos tecidos circundantes.4

Contudo, apesar de muitos pontos positivos, a cirurgia cardíaca robótica enfrenta vários desafios, e sem dúvida o maior deles é o alto custo dos sistemas robóticos, além da dificuldade de formação dos cirurgiões, tendo em vista o baixo número de instituições que dispõem desse aparato tão bem estruturado.

Esse desafio, que envolve principalmente investimento e capacitação do cirurgião, tem sido a grande dificuldade para a aplicabilidade da cirurgia robótica no Brasil e no mundo. Enquanto nos Estados Unidos e na Europa cirurgias robóticas de revascularização do miocárdio com tórax totalmente fechado já são uma realidade e rotina em alguns centros, no Brasil essa realidade ainda está um pouco distante.4

No Brasil, a primeira cirurgia cardíaca robótica foi realizada em março de 2010, 12 anos depois do primeiro procedimento realizado no mundo, em 1998. Além das dificuldades financeiras, por ser uma cirurgia com técnicas e habilidades totalmente diferentes das convencionais, exige um novo aprendizado para a manipulação dos instrumentos. É um novo treinamento, muito diferente daquele adquirido da residência comum, na qual a maioria das cirurgias são convencionais e o cirurgião não tem nenhum contato com o robô ou com essas técnicas operatórias. Assim, o distanciamento ainda visto na aplicabilidade da cirurgia robótica no Brasil em relação ao mundo é fruto do baixo investimento na saúde pública. Isto porque a grande maioria das cirurgias ocorrem pelo Sistema Único de Saúde (SUS), em hospitais públicos que não têm aparato para realizar uma cirurgia robótica, uma vez que os grandes centros formadores de cirurgiões cardíacos não possuem o robô. Além disso, há um número muito pequeno de pessoas qualificadas para ensinarem os novos residentes a trabalharem com o sistema robótico, fazendo com que essa técnica acabe sendo pouco praticada e disseminada no país.3

O que tem contribuído para mudar um pouco o cenário brasileiro são os fellowships, programas de especialização nos quais serviços especializados em cirurgia minimamente invasiva assistidas por robô, nacionais ou internacionais, recebem residentes e cirurgiões por alguns meses em seus serviços para se especializarem nessa técnica e posteriormente levarem a experiência adquirida para seus respectivos serviços.   Mesmo um pouco “atrasados” em relação aos países desenvolvidos, o número de cirurgias robóticas – cardíacas e não cardíacas – tem crescido muito nos últimos anos, mostrando que esse é o futuro. Incisões e traumas menores, além de maior qualidade de vida. Apesar de os desafios ainda serem grandes na realidade brasileira, a utilização da robótica na cirurgia cardíaca representa um avanço significativo na medicina moderna, com grande potencial para revolucionar a prática cirúrgica e melhorar os resultados clínicos.

Foto gerada por inteligência artificial: sala de cirurgia preparada para uma cirurgia cardíaca robótica.

Referências

1. Morrell ALG, Morrell-Junior AC, Morrell AG, Mendes JMF, Tustumi F, De-Oliveira-e-Silva LG, et al. The history of robotic surgery and its evolution: when illusion becomes reality. Rev Col Bras Cir. 2021;48:e20202798. doi: 10.1590/0100-6991e-20202798.
2. Aguiar CC, Amaral ES, Mujahed GBU, Porto YBS, Cavalcante RS. Cirurgia cardíaca minimamente invasiva: inovações e desenvolvimentos recentes. Braz J Implantol Health Sci. 2023;5(5):3479-91. doi: 10.36557/2674-8169.2023v5n5p3479-3491.
3. Poffo R, Toschi AP, Pope RB, Celullare AL, Benício A, Fischer CH, et al. Cirurgia robótica em cardiologia: um procedimento seguro e efetivo. Einstein (São Paulo). 2013;11(3):296-302. doi: 10.1590/S1679-45082013000300007.
4. Moreira LFP, Celullari AL. Cirurgia cardíaca minimamente invasiva no Brasil. Braz J Cardiovasc Surg. 2011;26(4):III-V. doi: 10.5935/1678-9741.20110037. 4

Posts relacionados