As doenças cardiovasculares continuam sendo a principal causa de morte no Brasil e no mundo. Estima-se que, no Brasil, em média 14 milhões de pessoas convivam com alguma doença cardiovascular. As mais comuns são: hipertensão arterial, doença coronariana (infarto e angina), acidente vascular cerebral, insuficiência cardíaca e arritmias, com pelo menos 400 mil mortes anuais relacionadas a elas. Diante de tal cenário e com o envelhecimento da população, a prevenção de eventos cardiovasculares agudos é uma das principais preocupações de especialistas da área[1].
Quando falamos da prevenção de doenças cardiovasculares, precisamos levar em consideração a estratificação do risco de tais condições, pois a partir dessa avaliação é possível identificar indivíduos que têm maior probabilidade de desenvolver doenças cardiovasculares e, assim, traçar uma estratégia terapêutica com potencial para reduzir a probabilidade de um evento letal. Para realizar a estratificação, consideramos fatores de risco como: tabagismo, dislipidemia, diabetes, hipertensão arterial, histórico familiar de doença cardíaca, obesidade e sedentarismo. Alguns escores são utilizados como método para realizar tal estratificação, entre os quais os mais utilizados são: o Escore de Risco de Framingham (ERF), recomendado pela American Heart Association (AHA) e pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC); e o SCORE, recomendado pela Sociedade Europeia de Cardiologia. O ERF leva em consideração idade, colesterol total, HDL-colesterol, pressão arterial sistólica, tabagismo, diabetes e doença renal, classificando os pacientes, dependendo da pontuação, em riscos baixo, moderado e alto, possibilitando uma orientação terapêutica a partir do resultado. Pacientes classificados como em alto risco de terem alguma doença cardiovascular nos próximos 10 anos precisam de medidas preventivas o mais rápido possível[2].

Quando falamos da prevenção de doenças cardiovasculares, temos diversas possibilidades, passando por mudanças de hábitos de vida, tratamento clínico/medicamentoso e cirurgia preventiva. O ideal é que esses três pilares da prevenção andem lado a lado.
A criação do Perioperative Risk Team (PRT), introduzido na Diretriz de Avaliação Cardiovascular Perioperatória da Sociedade Brasileira de Cardiologia em 2024, teve como objetivo promover decisões clínicas seguras em relação a pacientes de alto risco submetidos a cirurgias eletivas, sejam cardíacas, sejam não cardíacas. A ideia segue o conceito do Heart Team, com acompanhamento interdisciplinar, envolvendo cardiologistas, cirurgiões e anestesistas, visando ao planejamento adequado para o momento ideal da intervenção, considerando desde o risco-benefício até a otimização do tratamento das doenças de base e suas complicações. Para isso, faz-se uso de ferramentas como histórico clínico detalhado, biomarcadores cardiovasculares (troponina, NT-proBNP) e avaliações complementares, além de discussões multiprofissionais. O PRT é indicado principalmente para pacientes com múltiplas comorbidades cardiovasculares, como insuficiência cardíaca, coronariopatia instável, arritmias graves e estenoses valvares sintomáticas e para pacientes com cirurgias cardíacas de alto risco intrínseco, como vasculares, ortopédicas extensas e torácicas[3].

As cirurgias cardiovasculares eletivas estão associadas a pacientes de alto risco cardiovascular e que, na maioria das vezes, precisam ser submetidos a cirurgias não cardíacas. Outra diretriz que recentemente trouxe atualizações sobre esse tema foi a diretriz AHA/ACC de 2024, detalhando alguns critérios a serem avaliados para a indicação de cirurgia de revascularização em paciente de alto risco:
- Paciente com doença arterial coronariana (DAC) instável – com escore GRACE (que avalia risco de morte ou infarto agudo do miocárdio em pacientes com síndrome coronariana aguda) > 140; angina refratária e instabilidade hemodinâmica.
- Tronco esquerdo com estenose acima de 50%, mesmo sem sintomas graves.
- DAC multiarterial com oclusão maior que 70% e disfunção de ventrículo esquerdo.
Com relação a cirurgias valvares, a diretriz recomenda que estenose aórtica grave sintomática, estenose mitral severa com sobrecarga de pressão pulmonar (pressão sistólica da artéria pulmonar > 50 mmHg) ou regurgitações valvares severas com disfunção ventricular sejam tratadas antes de cirurgias não cardíacas de alto risco[4].
Uma vez que estamos lidando com cirurgias eletivas, temos tempo de planejar e traçar a melhor conduta cirúrgica para o paciente, e isso envolve cuidados pré, intra e pós-operatórios, com otimização de alguns medicamentos, interrupções de outros e estratégia cirúrgica.
Além disso, um conceito que recentemente vem ganhando espaço dentro das cirurgias cardíacas eletivas/preventivas é o de pré-reabilitação. Também em 2024, foi publicado um protocolo sobre pré-reabilitação para pessoas submetidas à cirurgia cardíaca. Esse estudo avaliou o pós-operatório de pacientes que, durante o pré-operatório, passaram por treinamento muscular inspiratório, exercício aeróbico e de força e suporte nutricional e psicológico, mostrando que pacientes que fizeram a reabilitação física antes de serem submetidos à cirurgia tiveram menos complicações pulmonares pós-operatórias e menor tempo de internação hospitalar[5].
Assim, o conceito de cirurgias preventivas, cardíacas ou não cardíacas, em pacientes com alto risco cardiovascular, vem ganhando espaço dentro da área médica, envolvendo não só o cardiologista e o cirurgião, mas também uma equipe multidisciplinar, com enfermeiros, fisioterapeutas e psicólogos. Diretrizes recentes têm mostrado que a indicação de cirurgias cardíacas preventivas, antes de outros procedimentos cirúrgicos, pode ser benéfica em pacientes de alto risco, desde que haja uma estratégia terapêutica eficaz, envolvendo desde tratamento clínico/farmacológico e cuidados pré-operatórios até manejo adequado no pós-operatório.
Infelizmente, com o aumento do número de pessoas com comorbidades cardiovasculares, como consequência do aumento da população idosa, a taxa de pessoas com alto risco cardiovascular também tem sido crescente. Nem sempre as mudanças de hábitos de vida e o tratamento clínico conseguem reverter as consequências dessas doenças; assim, vemos a importância da cirurgia preventiva para possibilitar uma melhor qualidade de vida de forma segura e estratégica. A cirurgia preventiva é o nosso presente!

Referências
1Brasil. Ministério da Saúde. Biblioteca Virtual em Saúde [Internet]. “Usar o coração para cada coração”: 29/9 – Dia Mundial do Coração. 29 de setembro de 2022 [citado 25 ago. 2025]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/usar-o-coracao-para-cada-coracao-29-9-dia-mundial-do-coracao/.
2Fernandes PV, Castro MM, Fuchs A, Machado MCR, Oliveira FD, Silva LB, et al. Valor preditivo do escore de Framingham na identificação de alto risco cardiovascular. Int J Cardiovasc Sci. 2015;1(1):4-8.
3Gualandro DM, Fornari LS, Caramelli B, Abizaid AAC, Gomes BR, Tavares CAM, et al. Guideline for perioperative cardiovascular evaluation of the Brazilian Society of Cardiology – 2024. Arq Bras Cardiol. 2024;121(9):e20240590. Portuguese, English. doi: 10.36660/abc.20240590. PMID: 39442131; PMCID: PMC12094288.
4Thompson A, Fleischmann KE, Smilowitz NR, de las Fuentes L, Mukherjee D, Aggarwal NR, et al.; Writing Committee Members. 2024 AHA/ACC/ACS/ASNC/HRS/SCA/SCCT/SCMR/SVM guideline for perioperative cardiovascular management for noncardiac surgery: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Joint Committee on Clinical Practice Guidelines. Circulation. 2024;150(19):e351-e442. doi: 10.1161/CIR.0000000000001285.
5Thompson A, Fleischmann KE, Smilowitz NR, de las Fuentes L, Mukherjee D, Aggarwal NR, et al.; Writing Committee Members. 2024 AHA/ACC/ACS/ASNC/HRS/SCA/SCCT/SCMR/SVM Guideline for Perioperative Cardiovascular Management for Noncardiac Surgery: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Joint Committee on Clinical Practice Guidelines. Circulation. 2024;150(19):e351-e442. doi: 10.1161/CIR.0000000000001285.